Rajneesh-Osho e sua Trajetória Circular
Ele se transformou no guru oriental mais popular do mundo na primeira metade dos anos 1980, superando em popularidade os então aclamados líderes de outros Novos Movimentos Religiosos, tais como Swami Prabhupada (líder dos Hare Krishnas), Maharishi Mahesh Yogi (fundador da Meditação Transcendental), Guru Maharaj(da Missão Luz Divina), Reverendo Moon (da Igreja da Unificação) e Sathya Sai Baba. No auge da fama, era comum encontrar livrarias com prateleiras abarrotadas de livros de Rajneesh. Caso deseje ter uma ideia da dimensão da sua produção literária, a edição digital de suas obras, pela Osho International Foundation, reúne 225 publicações, sendo muitas delas registros de suas palestras, quantidade esta que pode ser incompleta, pois alguns autores falam em mais de 500 escritos de sua autoria. O seu sucesso foi tanto que, entre os espiritualistas new agers daquela época, era vergonhoso alguém dizer que não tinha lido um livro de Rajneesh, ou seja, ler e admirar este guru tinha se transformado em uma referencia de espiritualidade, bom como passou a ser um modismo intelectual nos primeiros anos de 1980.
A repercussão da sua celebridade podia ser medida pela enorme disponibilidade de livros, de sua autoria, nas prateleiras das livrarias. Ele foi o autor que mais vendia entre os espiritualistas new agers. Quando orientalistas e esoteristas se encontravam, o assunto era sempre Rajneesh. A febre também alcançou o Brasil. Lembro-me de uma ocasião em 1983, quando estava em uma livraria de Brasília, aguardando a abertura da Embaixada da Índia para tirar o meu visto, ao lado das prateleiras de livros sobre esoterismo, então uma garota puxou assunto e iniciamos em seguida uma entusiasmada e reciprocamente confiante conversa, até o momento em que lhe disse que não aprovada as ideias de Rajneesh. Então, imediatamente, a expressão do seu rosto mudou e ela passou a transparecer que não acreditava mais no que eu dizia, consequentemente a conversa esfriou. Isto porque Rajneesh tinha alcançado tanto prestígio no circulo espiritual new age daquela época, que se tornou uma referência para se medir o grau de intelectualidade em assuntos espirituais de um buscador, isto é, para ser um new ager instruído, era preciso ter lido e ser um admirador de Rajneesh.
Carreira inicial
Rajneesh-Osho (1931-90) nasceu em uma família de doze filhos na vila de Kuchawada, estado de Madhya Pradesh, Índia, seu nome de nascimento era Mohan Chandra Rajneesh Jain, de modo que ele foi criado fora da dominante tradição hindu. Durante uma parte da sua juventude, ele foi criado pelos avós, um rico casal jainista (religião fundada por Mahavira, contemporâneo de Buda). Desde cedo, Rajneesh relatou ter tido várias experiências de êxtases, finalmente alcançando a “plena iluminação” na idade de vinte e um anos. Ele se formou na Universidade de Saugar e logo em seguida conseguiu um emprego na Raipur Sanskrit College. Suas palestras criaram muitas controvérsias, por exemplo, ele chegou até a atacar heróis nacionais, tal como Mahatma Gandhi, quem ele ridicularizou chamando-o de “chauvinista pervertido e masoquista” (Urban, 2003: 237). Então, Rajneesh se transferiu para outra faculdade no ano seguinte, para a cidade de Jabalpur, onde ele sofreu um período traumático de depressão e anorexia, chegou até a tentar suicídio, depois de algum tempo e recuperado, ele recebeu uma promoção para professor em 1960. Quando a faculdade estava em férias, ele costumava viajar pela Índia palestrando sobre política, sexualidade e espiritualidade. Com o tempo, suas cativantes palestras atraíram um número de comerciantes e empresários ricos. Estes clientes lhe davam doações por consultas sobre desenvolvimento espiritual e sobre vida diária. O rápido crescimento da sua clientela, contudo, foi algo fora do comum, mostrando que ele era um talentoso terapeuta espiritual. Em 1964, um grupo de banqueiros ricos formou um consórcio para sustentar Rajneesh, bem como os retiros de meditação que ele conduzia. Tal como muitos profissionais, cuja clientela cresce rapidamente, ele contratou uma gerente de negócios, ela era Lakshmi, uma mulher da classe alta, bem relacionada politicamente, a qual se tornou a sua primeira secretária particular e chefe administrativa.
A carreira inicial de Rajneesh refletiu bem seus carismáticos atributos individuais de inteligência, de apelo emocional e de habilidade em comunicar-se diretamente com indivíduos, mesmo quando eles eram parte de uma grande plateia. Ele era altamente enfático, com uma fascinante volatilidade emocional, que atraía tanto os buscadores da Índia, como um pequeno, mas crescente número de europeus e de norte americanos. Atendendo a solicitação dos encarregados da universidade onde lecionava, Rajneesh afastou-se do seu cargo na Universidade de Jabalpur em 1966, e começou a usar o nome de Acharya Rajneesh (Mestre Rajneesh) anunciando que, a partir de então, sua ocupação principal seria a de um líder espiritual. Assim, ele passou a se sustentar de palestras, da realização de acampamentos de meditação e, individualmente, de aconselhamentos a influentes clientes indianos. Rajneesh criticava a política e as religiões institucionalizadas e, ao mesmo tempo, defendia uma sexualidade liberada e mais aberta.
Sua popularidade aumentou fora da Índia, o que trouxe muitos ocidentais aos acampamentos de meditação sob sua direção, bem como ao seu apartamento em Mumbai (Bombaim), onde também aconteciam aulas de meditação. Então, ele enviou alguns de seus seguidores ocidentais de volta para casa, a fim de fundarem uma rede internacional de centros de meditação. Em 1971, seu séquito cresceu e diversificou, daí ele alterou, mais uma vez, seu nome para Bhagavan Sri Rajneesh, que significa Reverenciável Rajneesh, o Senhor Supremo.
À medida que o movimento crescia nos anos 1970, uma nova estrutura organizacional surgia. Os seguidores passaram a receber novos nomes, geralmente de reverenciados deuses e deusas hindus, significando seu renascimento espiritual através do voto de renúncia (samnyasa), abrindo-se, cada vez mais, a Bhagavan Sri Rajneesh e renunciando ao seu passado. Ele também pediu aos seus seguidores que usassem uma vestimenta de cor alaranjada, tal como os santos ascetas (samnyasis) da Índia. No entanto, estes novos nomes e a sagrada vestimenta dos ascetas hindus, somados à disciplina sexual e à atitude libertina dos devotos, ofenderam profundamente a população local. Com o tempo, o número de seguidores ocidentais ultrapassou o de seguidores indianos, aumentando assim o auxílio financeiro, o que fez com que, em 1974, ele mudasse a sede de Mumbai para Pune (antiga Puna), ao sul de Mumbai (Goldman, 2004: 122-3).
Rajneeshpuram
Esta nova sede altamente lucrativa, contudo, logo se envolveu em problemas legais e financeiros com o governo da Índia. Então, em 1981, Bhagavan e seus devotos foram forçados a fugir do país “rastreados por alguns milhões de dólares em dívidas, bem como por uma grande quantidade de cobradores de impostos e pela polícia” (Urban, 2003: 237). Anunciando-se como o “messias que a América estava aguardando”, Rajneesh refugiou-se nos EUA. Após uma breve permanência em uma mansão em New Jersey, ele e seu séquito compraram uma fazenda de 64 mil acres na pequena aldeia de Antelope, condado de Wasco, no estado de Oregon, a qual ele batizou com o nome de Rajneeshpuram (cidade de Rajneesh). Rapidamente, a cidade comunitária se transformou em um complexo financeiro notavelmente lucrativo, de modo que Rajneeshpuram acumulou US$ 120 milhões em renda durante os seus quatro anos de existência (Urban, 2003: 237 e Goldman, 2011: 309). Rajneeshpuram transformou-se em uma máquina de fazer dinheiro, lá “os preços se estendiam desde US$ 50 por um dia de introdução à meditação de Rajneesh, até US$ 7.500 por um completo programa de reequilíbrio de três meses” (Urban, 2003: 239). Enquanto isto, o séquito se espalhava pelos EUA, pela Europa, pela Índia, alcançando 25 mil membros iniciados em seu pico, daí transformando-se em um diversificado e internacionalizado complexo de negócios (Urban, 2003: 237-8). De Rajneeshpurampara o mundo, o ‘Rajneeshismo’ se transformou em um modismo internacional entre os espiritualistas na primeira metade dos anos 1980.
Os objetivos dos seguidores, com a construção da cidade comunitária de Rajneeshpuram, eram, nas palavras de Marion Goldman, os seguintes: “Eles esperavam fundir espiritualidade e materialismo enquanto construíam uma comunidade internacional que pudesse servir também como um retiro e um centro luxuoso de peregrinação para samnyasis de todas as partes do mundo, suplantando o ashram anterior de Pune (Puna), Índia” (Goldman, 2011: 309). Um fato que chamou a atenção em Rajneeshpuram foi a sua capacidade de atrair pessoas de alta escolaridade e de sucesso profissional, portanto era uma comunidade de intelectuais e não de fracassados, tal como em muitas outras comunidades religiosas. Segundo os resultados da minuciosa pesquisa de Marion Goldman, “a maioria dos samnyasis que viviam na cidade comunitária em Oregon, nos anos 1980, relataram que eles tinham diplomas de quatro anos de faculdade. Uma proporção substancial destes samnyasis representavam o melhor e o mais brilhante da geração babyboom, que tinha sobressaído na faculdade e em suas carreiras subsequentes” (Goldman, 2011: 309). Em seu auge, cerca de seis mil devotos (samnyasis) viviam em Rajneeshpuram (Usborne, 1995: 03).
Logo após o início das atividades da comunidade, Rajneesh decidiu manter voto de silêncio por três anos, no entanto ele aparecia diariamente, sempre à tarde, em um passeio com um dos seus 96 Rolls Royces, por um trajeto já pré-estabelecido, acenando para os samnyasis, os quais se alinhavam na lateral da rua, com as mãos juntas em posição de reverência, diante da passagem do guru. Excetos em seus passeios diários nos automóveis de luxo, Rajneesh não era mais visto em público, delegando a liderança administrativa à Ma Amand Sheela, sua secretária particular. Naturalmente, uma comunidade tão extravagante como esta não poderia deixar de causar aborrecimentos aos vizinhos pacatos, o que gerou oposição por toda a redondeza, criando um clima de animosidade. O mais escandaloso evento aconteceu no Outono de 1984, quando Sheelae seus auxiliares recolheram cerca de 3 mil moradores de rua, na maioria homens, trouxeram-nos para a comunidade, transformaram-nos em eleitores, em uma tentativa de controlar os resultados das eleições do condado de Wasco, porém o monitoramento estadual de eleitores e o partido de oposição impediram a concretização do plano (Usborne, 1995: 02 e Goldman, 2011: 309-10).
Logo após o fracasso do plano (1985), Sheela e seus auxiliares próximos fugiram para a Europa. Ela só foi presa em 1990, após extradição para os EUA (Usborne, 1995: 03). Então, assim que a comunidade desintegrou, Rajneesh voltou a falar publicamente acusando Sheela e sua turma de drogar samnyasisdissidentes, de grampo telefônico, de incêndio criminoso, de promover imigração ilegal, de tentativa de assassinato e de desfalque nas contas da comunidade. Ainda mais, em uma revelação chocante, Rajneeshpublicamente afirmou que Sheela ordenou que alguns membros do círculo interno colocassem Salmonella(veneno) em uma dúzia de balcões de salada em restaurantes localizados no condado de Wasco, envenenando pelo menos 750 indivíduos. Este foi um teste para incapacitar um grande número de eleitores anti-Rajneesh no dia da eleição (Usborne, 1995: 02). Já, a cumplicidade de Rajneesh nestes crimes ainda não foi provada, logo sua culpa permanece uma dúvida (Goldman, 2011: 310). Em seguida ao colapso, Rajneeshtambém abandonou Rajneeshpuram e enfrentou uma experiência vergonhosa, pois viajou por mais de vinte países tentado refúgio, mas todos negaram seu visto, inclusive o Brasil, até que, finalmente, o governo da Índia aceitou recebê-lo. Então, ele se re-estabeleceu no antigo ashram de Pune. Chegando lá, uma das primeiras iniciativas que fez foi, mais uma vez, alterar seu nome, desta vez para Osho, nome que manteve até sua morte em 1990. Em Janeiro de 1986, Rajneeshpuram foi colocada à venda, hoje o que funciona lá é o acampamento Young Life Camp, um retiro para jovens de propriedade de uma igreja cristã, algumas construções da época Rajneeshpuram foram aproveitadas, mas com alterações (Welch, 2003).
Uma curiosidade no destino do movimento foi que, mesmo depois dos eventos criminosos nos EUA, inclusive com a prisão de Rajneesh-Osho e da sua secretária, Ma Amand Sheela, a organização continuou bem estabelecida e próspera em Pune, na Índia, onde, após algumas alterações estruturais, ela foi transformada em um retiro, magnificamente belo e luxuoso, que mistura centro espiritual com SPA para ricos, o Osho International Meditation Resort. O historiador da religião Hugh B. Urban analisa assim o destino do movimento: “Talvez o mais surpreendente aspecto do fenômeno Rajneesh não esteja tanto em sua carreira escandalosa na América, mas em sua notável apoteose e em seu renascimento após seu retorno à Índia. Um guru tântrico verdadeiramente global, Rajneesh fez a viagem da Índia à América e de volta à Índia novamente, para, finalmente, alcançar ainda mais sucesso na sua terra natal, em grande parte, por causa de seu status de figura que tinha um numeroso séquito nos EUA e na Europa. Mais incrível ainda foi que, os seus seguidores não foram capazes apenas de racionalizar o escândalo desastroso nos EUA, mas até mesmo de fazer de Rajneesh um mártir heroico, o qual tinha sido injustamente perseguido pelo governo imperialista e opressivo dos EUA” (Urban, 2003: 242). Enfim, por esta curta análise de H. Urban é possível se ter uma ideia do alto grau de fanatismo alcançado pelos seguidores de Rajneesh-Osho, ao ponto de não se incomodarem com os graves eventos criminosos ocorridos anteriormente. Mesmo assim, ele conseguiu renascer das cinzas após os escândalos, portanto é muito curioso notar como Rajneesh-Osho, ao longo da sua carreira, conseguiu atrair tantos seguidores ricos para seu séquito, ele parecia ser um imã de dinheiro.
Marion Goldman, que esteve em Rajneeshpuram e se tornou hoje uma das principais pesquisadoras do Rajneeshismo, explica assim a sobrevivência e o posterior sucesso do movimento, mesmo após os escândalos nos EUA. “É possível distinguir o progresso no Movimento Osho e sua sobrevivência contínua, embora com uma diluída autoridade central e uma amorfa influência cultural. Primeiro, Rajneesh desprezou Sheela, atribuindo todos os crimes e dificuldades a ela e aos seus auxiliares. Segundo, o movimento desocupou o local da maior controvérsia, dispersou seus membros para outros centros e reivindicou suas sedes originais longe da cidade comunitária abandonada em Oregon. Terceiro, Rajneesh renomeou a si mesmo, o movimento, e as suas sedes. Quarto, ele criou um conselho para cuidar das obrigações organizacionais. Quinto, ele e o círculo interno, que governou após sua morte, redefiniu o movimento como um movimento de meditação e de desenvolvimento pessoal instruído pela filosofia de Osho, Finalmente, após a morte de Osho, o movimento reenfatizou e reforçou seu foco na difusão organizacional, inclusive espiritualidade” (Goldman, 2004: 134). Da explicação acima é possível perceber que, mais do um sincero instrutor espiritual, Rajneesh-Osho foi um esperto ‘empresário espiritual’, cuja esperteza foi passada para seus sucessores, daí o contínuo sucesso financeiro do movimento até hoje.
Os ensinamentos
Muitos samnyasis (renunciantes), seguidores de Rajneesh-Osho, o caracterizaram como uma mistura de louco, salvador, charlatão e santo (Goldman, 2004: 122). Estritamente falando, em si mesmos, os ensinamentos de Rajneesh-Osho não eram originais, melhor dizendo, eles foram extraídos de uma diversificada mistura de diferentes fontes, sobretudo, Tantra, Yoga, Zen, Sufismo, Budismo, Taoismo, Hassidismo, bem como de pensadores, de instrutores e de autores mais recentes: Nietzsche, Gurdjieff, Crowley, Krishnamurti e de ideias dos movimentos Contracultura e New Age. Hugh B. Urban resumiu assim: “Mais do que promover uma religião no sentido convencional, Rajneesh ensinou uma marca de espiritualidade radicalmente iconoclasta, uma filosofia antinomiana e um anarquismo moral. Como uma religião ‘sem religião’, ou anti religião, a religião dele era o caminho além da moralidade convencional, além do bem e do mal, e fundada na explícita rejeição de todas as tradições, de todos os valores e de todas as doutrinas. ‘Moralidade é uma moeda falsa, ela engana as pessoas’ ele advertia. ‘Um homem de real compreensão não é nem bom nem mal. Ele transcende ambos’. Para Rajneesh, a causa de todos os nossos sofrimentos é a deformante socialização ou o processo de programação de indivíduos pelas instituições culturais, tais como família, escola, religião e governo. Todas as metanarrativas e teorias predominantes sobre o universo são apenas ficções, criações imaginárias usadas por aqueles no poder para dominar as massas. A liberdade só pode ser alcançada através da desprogramação de tais narrativas, libertando-se das limitantes estruturas do passado. As pessoas devem ser desprogramadas e deshipnotizadas. ‘Vocês são programados pela família, pela educação e pelas instituições. Sua mente é como um quadro negro, no qual as regras estão escritas. Bhagavan escreve novas regras sobre o quadro negro. Ele diz a vocês uma coisa e em seguida o oposto que também é verdadeiro. Ele escreve e escreve no quadro negro da sua mente, até que ela se torne um quadro branco. Então, vocês não terão mais nenhum vestígio de programação nas suas mentes’” (Urban, 2003: 239). Ele tinha um estilo jocoso de criticar: “Vocês certamente sofreram uma lavagem cerebral, eu uso uma máquina de secar. E o que há de errado em sofrer uma lavagem cerebral? Lave seu cérebro todos os dias, mantenha-o limpo. Ele é apenas uma lavanderia religiosa de atualização” (Urban, 2003: 329).
Em razão de palestrar quase sempre e de escrever tanto, e tão afoitamente, os seus ensinamentos são flagrantemente contraditórios. Tanto que, até ele mesmo reconhecia e procurou se justificar: “Por que eu digo contradições? Eu não estou ensinando filosofia aqui. O filósofo precisa ser muito consistente, perfeito, lógico e racional. Eu não sou um filósofo. Eu não estou aqui dando para vocês um dogma consistente ao qual vocês podem se prender. Meu inteiro esforço é dar a vocês uma ‘não-mente’” (Urban, 2003: 241). Sendo assim, torna-se difícil sistematizar os ensinamentos de Rajneesh-Osho, ou seja, escrever um compêndio ou um manual sistematizado de suas doutrinas parece ser uma tarefa complicada. Ou como David G. Bromley e Susan J. Palmer explicam: “Rajneesh desenvolveu um complexo conjunto de ideias que desafia a elaboração de um simples resumo, porque Rajneesh acreditava na prioridade da experiência sobre as ideias e que o mundo incorpora inconsistência e um inter-relacionamento dinâmico de opostos” (Bromley, 2007: 140).
Enfim, ao mesmo tempo em que a sua sortida mistura de doutrinas religiosas atraiu muitos admiradores e seguidores, outros intérpretes a consideram uma deformação de todas estas doutrinas. Enquanto que, para os céticos, o Movimento Rajneesh-Osho foi mais um surto de religiosidade do século XX, com uma nova formatação e um novo arranjo, para atrair os crédulos, em uma época e para um público escolarizado que, cada vez mais, tornava-se secular, portanto na contra mão do sentido das sociedades com melhor qualidade de vida e dos indivíduos mais esclarecidos respectivamente.
O guru do sexo
Embora não fosse tudo, o elemento sexual era uma ênfase nas ideias e nas práticas do movimento, daí que Rajneesh-Osho ficou conhecido como o “guru do sexo” (Urban, 2003: 235s). Para o historiador H. Urban, quanto ao Tantra, “a versão de Rajneesh-Osho é a transformação em mercadoria e a comercialização da tradição” (Urban, 2003: 236). A prática da sua ‘meditação dinâmica’ é entendida, por muitos de fora do movimento, como uma orgia sexual.
Para este pesquisador, Rajneesh-Osho “foi um dos primeiros indianos a viajar para a América e importar sua própria marca de ‘neo-tantrismo’, vendida para a cultura consumidora americana no final do século XX”. O que ele fez foi uma “transformação do sexo em mercadoria”, bem como uma “espécie de transformação do êxtase em mercadoria”. Para este historiador das religiões, ele foi “o mais notável guru do sexo do século XX”. E mais, “Rajneesh oferecia tudo que os ocidentais imaginavam que o Tantra fosse: um culto de amor livre que prometia a iluminação, uma excitante comunidade radical. Rajneesh encaminhou-se confortavelmente para o papel de Messias do Tantra. Em grande parte por causa de Rajneesh, o Tantra ressurgiu como um culto New Age nos anos 1970 e 1980” (Urban, 2003: 237).
Rajneesh definia e interpretada o Tantra assim: “O Tantra é a suprema ‘não religião’ ou ‘antireligião’, uma prática espiritual que não exige ritual e moralidade rigorosa, mas, ao invés disto, livra o indivíduo de tais repressões. O Tantra é liberdade – liberdade de todos os construtos mentais, de todos os jogos mentais, o Tantra é libertação. O Tantra não é religião. Religião é um jogo da mente. O Tantra descarta todas as disciplinas” (Urban, 2003: 239-40). Rajneesh dizia: “O Tantra é rebelde. Eu não o chamo de revolucionário, porque ele não existe nada de político nele. É uma rebelião individual. É uma escapulida individual das estruturas e da escravidão. O futuro é esperançoso. O Tantra se tornará cada vez mais importante…” (Urban, 2003: 240).
No mais forte contraste com as instituições sociais estabelecidas, o Tantra não nega a vida e o corpo, melhor dizendo, ele é a suprema afirmação da paixão, fisicamente, do prazer. Ele é a suprema religião ‘apenas faça-o’, que celebra a vida em toda sua transitoriedade e contingência: o Tantra aceita tudo, vive tudo. Rajneesh-Osho declarava: “Isto é o que o Tantra diz: o Caminho Majestoso – comporte-se como um rei, não como um soldado. O Tantra celebra a natureza humana em suas dimensões mais defeituosas, fracas e mesmo aparentemente perversas. Se você é ganancioso, seja ganancioso, não se importe com a ganância”. E mais; “a aceitação tântrica é total, ela não separa você. Todas as religiões do mundo, exceto o Tantra, têm criado personalidades divididas, têm criado esquizofrenia. Elas dizem que o bem tem que ser alcançado e o mal negado, e que o demônio tem de ser negado e deus aceito. O Tantra diz que uma transformação é possível. A transformação vem quando você aceita o seu ser total. O ódio é absorvido, a cobiça é absorvida” (Urban, 2003: 240).
Sobretudo, o Tantra gira em torno do sexo, um poder que é, ao mesmo tempo, a mais intensa força na natureza humana e também a mais severamente distorcida pela sociedade ocidental. Porque o Ocidente Cristão Tradicional suprimiu a sexualidade, Rajneesh-Osho argumentava: “é a sexualidade que deve ser libertada se os discípulos modernos desejarem atualizar completamente seu eu interno. A repressão cristã tem criado muitos bloqueios no homem, onde a energia se tornou encolhida dentro de si mesma, se tornou estagnada, não é mais atuante. A sociedade é contra o sexo, ela criou um bloqueio…”.
Em oposição à atitude ocidental que nega a vida, o Tantra é o caminho que aceita tudo, sobretudo, o impulso sexual. Como o poder mais forte na natureza humana, o sexo torna-se a energia espiritual mais forte quando é plenamente integrada e absorvida. De modo que, muitas práticas ensinadas por Rajneesh-Osho envolviam sexo grupal. “Terapias intensivas”, tal como ele as chamava, as quais eram efetuadas para realizar uma catarse seguida pela transformação da consciência. Assim, o supremo objetivo das práticas tântricas é precisamente alcançar esta plena autoaceitação, amar a nós mesmos intensamente e completamente, com todos os nossos pecados, vícios, cobiças e desejos sexuais, e reconhecer que nós já somos perfeitos. Nas palavras de Rajneesh-Osho: “Esta é a coisa mais fundamental no Tantra, isto é, você já é perfeito… A perfeição não tem de ser alcançada. Ela simplesmente precisa ser percebida, uma vez que ela já está aí, O Tantra oferece a você a iluminação aqui e agora, sem prazo, sem adiamento…” (Urban, 2003: 240-41).
Antes de terminar este estudo, é preciso esclarecer que esta interpretação do Tantra de Rajneesh-Osho é extremamente controvertida. Nem todos os intérpretes admitem que o Tantra seja tão focado no sexo. Ademais, o Tantrismo é uma tradição multiplamente dividida em distintas correntes (hindu, budista, jainista, lamaísta, Shingon, etc.), a qual, mesmo dentro de cada uma destas correntes, desdobra-se em inúmeras subdivisões, portanto a versão deste extravagante e manipulador guru tântrico acima é mais uma dentre tantas muitas outras.
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