samedi 11 septembre 2010

PENSAMENTO E LINGUAGEM



Os pseudo-conceitos predominam sobre todos os outros complexos no pensamento da criança em idade pré-escolar, pela simples razão de que, na vida real, os complexos que correspondem ao significado das palavras não são espontaneamente desenvolvidos pela criança: a trajetória seguida por um complexo no seu desenvolvimento encontra-se pré-determinada pelo significado que determinada palavra já possui na linguagem dos adultos.

Nas nossas experiências, a criança, liberta da influência diretriz das palavras familiares, era capaz de desenvolver significados de palavras e de formar complexos de acordo com as suas preferências pessoais. Só através da experimentação poderemos avaliar o tipo e a latitude desta atividade espontânea de domínio da linguagem dos adultos. A atividade pessoal da criança não se encontra de maneira nenhuma esterilizada, embora se encontre geralmente oculta da vista e canalizada para vias complexas, por influência da linguagem dos adultos.

A linguagem do meio ambiente, como os seus significados estáveis, permanentes, aponta o caminho que a generalização infantil seguirá. No entanto, constrangido como se encontra, o pensamento da criança prossegue ao longo da via pré-determinada, segundo a forma peculiar ao seu nível de desenvolvimento intelectual. O adulto não pode transmitir à criança o seu modo de pensar. Apenas lhe fornece o significado já acabado de uma palavra, em torno do qual a criança forma um complexo – com todas as peculiaridades estruturais funcionais e genéticas do pensamento por meio de complexos, mesmo quando o produto do seu pensamento é na realidade idêntico, pelo seu conteúdo, a uma generalização que poderia ter sido obtida por meio do pensamento conceptual. A semelhança externa entre o pseudo-conceito e o conceito real, que torna muito difícil pôr a nu este tipo de complexos é um dos mais importantes obstáculos para a análise genética do pensamento.

A equivalência funcional entre o complexo e o conceito, a coincidência que existe na prática entre o significado de muitas palavras para o adulto e a criança de três anos, a possibilidade de compreensão mútua e a aparente similitude dos seus processos intelectivos levou a presumir-se erradamente que todas as formas de pensamento e de atividade intelectual dos adultos já se encontram presentes em embrião no pensamento das crianças e que na puberdade não se dá nenhuma transformação radical. É fácil compreender a origem desta concepção errada. A criança aprende muito precocemente uma grande quantidade de palavras que significam a mesma coisa para ela e para o adulto. A compreensão mútua entre o adulto e a criança cria a ilusão de que o ponto final do desenvolvimento do significado das palavras coincide com o seu ponto de chegada, de que o pensamento é fornecido já acabado à criança desde início e de que não se dá nenhum desenvolvimento.

A aquisição pela criança da linguagem dos adultos explica de fato a consonância entre os complexos da primeira e os conceitos da segunda – por outras palavras, a emergência de conceitos complexos ou pseudoconceitos. As nossas experiências, em que o pensamento das crianças não é entaramelado pelo significado das palavras demonstra que, se não existissem os pseudo-conceitos, os complexos da criança seguiriam uma evolução diferente dos conceitos dos adultos e a comunicação verbal entre as crianças e os adultos seria impossível.

O pseudo-conceito serve como elo de ligação entre o pensamento por complexos e o pensamento por conceitos. É dual por natureza, pois um complexo já traz em si a semente em germinação de um conceito. O intercâmbio verbal com os adultos torna-se assim um poderoso fator de desenvolvimento dos conceitos infantis. A transição entre o pensamento por complexos e o pensamento por conceitos passa despercebida à criança, porque os seus pseudo-conceitos já coincidem no seu conteúdo com os conceitos dos adultos.

Assim, a criança começa a operar com conceitos, a praticar o pensamento conceptual antes de se aperceber ter plena consciência da natureza destas operações. Esta situação genética muito peculiar, não se limita ao processo de acessão aos conceitos; é a regra mais do que a exceção no desenvolvimento intelectual das crianças.
Pensamento e Linguagem - Lev Semenovich Vygotsky