lundi 25 juin 2012

Do ponto de vista científico, é uma irresponsabilidade total.



O sr. disse que havia ainda muitas incertezas sobre os limites planetários quando publicou seu artigo em 2009. Como tem evoluído o conhecimento sobre eles?
Johan Rockström - No artigo original, nós quantificamos sete de nove limites, e estava claro para nós que os limites de água, biodiversidade e terra eram aproximações. Quatro de sete eram razoavelmente robustos: clima, ozônio, nitrogênio e oceanos. O que aconteceu desde então foi que nós aprendemos mais sobre o limite do fósforo, e descobrimos que já o transgredimos. A situação é mais grave. Há um grande esforço para quantificar as duas barreiras que não foram quantificadas ainda, as de produtos químicos e de poluição do ar. Há um grupo de trabalho formado para analisar a barreira da biodiversidade. Nosso indicador foi a perda de espécies, mas não é muito bom, porque não é a biodiversidade total, e sim suas funções, o que determina se um ecossistema vai colapsar. Estamos trabalhando na versão 2.0 dos limites planetários.

Como conciliar o sentido de urgência que a ciência traz com o ritmo dos avanços nas salas de negociação aqui?
Não é uma mensagem que muita gente goste de ouvir, mas nós não temos mais nenhum grau de liberdade. Estamos chegando ao teto do que o planeta é capaz de suportar sem gerar nenhuma surpresa. Até muito recentemente, você podia usar o planeta como uma lata de lixo. E o planeta tem sido uma mãe muito compreensiva, absorvendo, absorvendo todos os choques. Mas hoje nós vemos que essa era chegou ao fim. E nós não sabíamos disso em 2005, não sabíamos disso em 2002, certamente não sabíamos disso em 1992. É uma situação tão nova que nós perdemos qualquer liberdade. Não podemos dizer, "OK, nós não conseguimos nos manter em [um aumento da temperatura de] 2°C, então vamos ser realistas e ficar em 3°C". A ciência diz que você não tem essa escolha. Porque é a escolha entre um desafio, 2°C, com muita, muita, muita perturbação e adaptação, e um desastre. A ciência precisa entrar nas negociações, hoje ela está fora.

Quão frustrado o sr. ficou quando a conferência de Durban adiou a ação para 2020?
Do ponto de vista científico, é uma irresponsabilidade total. Se não chegarmos ao pico em 2015 não teremos chance de reduzir as emissões de gás carbônico rápido o suficiente para ficarmos num orçamento de carbono seguro. Então, a data de 2015 serve apenas para nos dar algum espaço para uma transição. Se você adiar para 2020, o ritmo da redução terá de ser de 7% a 8% por ano, mas para fazer 200 países no mundo reduzirem emissões de 7% a 8% por ano não é viável, não consigo enxergar a revolução tecnológica que permitiria que isso acontecesse.

Aonde a Rio +20 nos leva?
Não muito longe. O texto não reflete a urgência que enfrentamos. É o encontro de uma geração; nós só nos encontramos assim a cada 20 anos. É uma responsabilidade enorme, um investimento e uma enorme encruzilhada para a humanidade. Se não acertarmos agora, será tarde demais: a Rio +30 não vai resolver. Então há razão para ficarmos bem preocupados. A luz no fim do túnel são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, abrindo imediatamente um processo para defini-los, e adotá-los imediatamente por todos os Estados-membros da ONU, você pode começar a administrar o Antropoceno [a era geológica dominada pela humanidade, conceito adotado por muitos cientistas].

A carta dos Prêmios Nobel fixa 2015 como uma data crítica para a sustentabilidade, mas muita gente tem dito que 2015 é tarde demais.
Certamente. O Rio não resolve isso, eles não querem resolver isso, deferiram tudo para as convenções do clima e da biodiversidade. Só existe uma maneira de abaixar a curva de emissões em 2015, que é combinar um preço global do carbono de pelo menos US$ 50 a tonelada e uma trajetória quantitativa para todos os países do mundo.

Isso não está sobre a mesa.
Eu acho interessantíssimo que economias fortes como os EUA e a UE, o Canadá não comecem a reconhecer, no nível de seus ministérios de Finanças e Relações Exteriores, que o fracasso em mitigar a mudança climática e de entrar numa economia de baixo carbono vai bater nesses dois ministérios, porque vai criar tanta instabilidade no mundo que você vai ter refugiados, guerras.

James Lovelock, criador da hipótese Gaia, segundo a qual a Terra é um superorganismo, deu uma entrevista recentemente dizendo que exagerou em seus prognósticos, e isso virou uma espécie de mantra para negar a mudança climática. Por que o negacionismo voltou à moda?
James Lovelock foi mal interpretado. Ele não é negacionista da mudança climática. O que ele está dizendo é que ele acredita que o sistema terrestre tem uma resiliência maior do que ele achava. Ele assumiu que o mundo simplesmente, irreversivelmente, chegaria a uma elevação de temperatura de 6°C e chegou a sugerir que a população seria reduzida a 2 bilhões, tipo apocalipse. Então, ele passa dessa posição extrema para uma posição mais "mainstream" [consensual] e é interpretado como sendo um negacionista. É absurdo. O negacionismo nunca esteve tão em baixa. Ele parece estar em alta hoje por uma única razão: os jornalistas não estão fazendo seu trabalho. A culpa é toda dos jornalistas. Porque os jornalistas simplesmente não conseguem distinguir o que 99% dos cientistas dizem do que diz um punhado de homens provocadores, empolgantes, excêntricos e idosos. Não é culpa de qualquer jornalista, é de jornalistas que não acompanham a área ambiental. De editores de páginas de opinião, de política, da liderança do "Wall Street Journal". Eles simplesmente deixaram essas pessoas entrar e lhes deram o mesmo peso, então as pessoas ficam confusas.

dimanche 10 juin 2012

O cosmo que conhecemos reflete quem somos.


Quando o astrônomo americano Edwin Hubble descobriu, em 1929, que o Universo está em expansão, nem ele mesmo quis acreditar. Mas os dados não mentem. O que Hubble viu com seu telescópio de 100 polegadas era inegável: a luz vinda de galáxias distantes aparecia alongada, indicando que suas fontes se afastavam da Terra, o mesmo efeito que ocorre quando uma sirene se distancia e ouvimos um tom mais grave. Na década de 1950, baseado nessa proposição, o físico russo-americano George Gamow supôs que a matéria que compõe as estrelas, as galáxias e as pessoas deve ter passado por estados de altíssima compressão durante a infância do Universo. Como matéria comprimida esquenta de maneira similar a pessoas dentro do metrô lotado, 

Gamow propôs que, no início do Universo, a temperatura era tão alta que as ligações entre as partículas formadoras dos átomos e seus núcleos se quebraram. O cosmo seria composto de uma sopa primordial de partículas livres, colidindo furiosamente entre si. Gamow e seus colaboradores Robert Herman e Ralph Alpher calcularam que, se suas idéias estivessem corretas, o Universo estaria repleto de radiação de micro-ondas, um fóssil da época em que os primeiros átomos foram formados, 400 mil anos após a grande expansão que teria dado origem ao Universo – o big bang. Quando essa radiação foi descoberta, em 1965, a cosmologia deixou de ser especulação e virou ciência.

Onde estamos hoje nessa história? Existem ainda muitos pontos nebulosos. A composição do Universo permanece um mistério. Sabemos que são três os ingredientes principais. O primeiro é a matéria comum, daquilo que nós e as estrelas somos feitos. Ela é formada por átomos e corresponde a apenas 4% do Universo. O segundo elemento é a matéria escura: uma matéria exótica que circunda as galáxias como se fosse um véu e que, provavelmente, é composta de partículas subatômicas. Ela constitui 23% do Universo. O terceiro elemento é a energia escura: uma forma de energia que permeia o cosmo e cuja natureza permanece desconhecida. Ela representa 73% do Universo. Se somarmos a matéria escura e a energia escura, percebemos que não conhecemos 96% da composição do Universo. Por isso, a elucidação desse mistério terá profundas implicações para nossa compreensão sobre ele. Alguns especulam até que tanto a matéria escura quanto a energia escura mostrarão que a descrição atual da gravidade, baseada na teoria da relatividade de Einstein, precisa ser revisada.

E o momento inicial, o momento da “Criação”? Será que a física pode chegar lá? Gamow, muito esperto, evitou tocar no assunto, começando sua descrição do cosmo num momento em que a matéria já existia na forma de partículas elementares (pelo menos, elementares nos anos 1950). Hoje sabemos que o cosmo de Gamow tinha em torno de um centésimo de segundo de vida. A grande questão é o que ocorreu nesse primeiro centésimo de segundo. Sabemos como chegar bem mais perto do “zero”, até um trilionésimo de segundo após o big bang. Aplicando conceitos da física quântica – a física dos átomos – ao cosmo bebê, podemos até construir modelos que mostram como o Universo inteiro pode ter surgido de uma flutuação do espaço com energia zero. Se essas especulações fazem ou não sentido, é algo que ainda não sabemos. Porém, dessa discussão de origens cósmicas, fica claro que o que conhecemos do cosmo depende das perguntas que fazemos e dos instrumentos que usamos para respondê-las. O cosmo que conhecemos reflete quem somos.

Marcelo Gleiser