samedi 30 avril 2011

animais e plantas



Conosco, Dr. Rupert Sheldrake.

O que o atraiu à Ciência? Quais suas lembranças primevas a respeito?

RS: Desde criança que eu me interesso por animais e plantas. Tanto que mantinha diversos bichos de estimação além dos costumeiros, como o cachorrinho da família. Aos 5 eu já me fascinava com os pombos-correio e sua indefectível capacidade de “sempre retornar à casa”. Também criava plantas diversas, no que sempre era encorajado pelo meu pai, um farmacêutico e herbalista. Ele mantinha um laboratório com microscópio bem ao lado do meu quarto e me familiarizou com muitos aspectos da vida escrutinada tão de perto, o que só amplificou o meu interesse. Desde então eu sabia que seria um Biólogo

Porquê, especificamente, as “ciências não tão ortodoxas”, se o sr. consegue me entender? Quais foram suas influências?

Quando eu tinha 17, no interregno entre o ginásio e a universidade (Cambridge), eu trabalhei temporariamente como um técnico de laboratório para uma companhia farmacêutica de Londres. Pretendia adquirir experiência científica e trabalhar com animais. No entanto, acabou que, sendo ali um laboratório de dissecação, eu, o novato da turma, fui submetido à maior carga do “trabalho duro”: assassinar centenas de ratinhos, porquinhos-da-índia e outras cobaias, preparar gatos para dissecação, etc. Tudo aquilo suscitou sério conflito em mim pois eu estava interessado em Biologia justamente porque gostava de animais. E comecei a constatar que havia algo seriamente errado com a concepção científica mecanicista, a qual com absurda freqüência envolve matar animais para estudá-los, ao invés de justamente estudar o fenômeno que é a vida per si.

Quando estava para me formar em Cambridge, fui apresentado à poesia do alemão Goethe, a qual me inspirou a buscar a ciência numa forma holística. Comecei a perceber o quão limitado era a visão mecanicista. Após minha graduação, estudei Filosofia em Harvard, ampliando ainda mais a minha perspectiva. E concluí que as revoluções científicas envolvem rompimentos paradigmáticos e a teoria mecanicista não passava de um paradigma de um modelo da realidade que poderia ser alterado, ao invés de ser mantido como um aspecto necessário da própria ciência.

Quando retornei à Cambridge para o meu Ph.D. em Biologia Desenvolvimental (BD), comprovei existir sim diversos problemas que não podem ser solucionados por uma concepção mecanicista. Comecei a me interessar pelos campos morfogenéticos, campos que “moldam as formas”. É uma idéia já bastante conhecida em B.D., inicialmente proposta nos anos 20. Ninguém sabe o que são estes campos. Me tornei convicto de serem eles uma nova espécie de campo para além dos conhecidos pela Física. E ainda, de que eles detêm uma espécie de memória, uma vez que se mostram capazes de desenvolvimento.

Isto me levou á hipótese dos campos mórficos e ressonância mórfica, através dos quais, influências pretéritas afetariam acontecimentos presentes, na base da similaridade. Esta hipótese leva à idéia de que cada espécie possui um tipo de memória coletiva, alimentada e compartilhada por cada um dos seus componentes simultaneamente.

Poderia, por gentileza, resumir-nos aos pontos básicos, essa sua aclamada teoria?

Esta hipótese faz diversas previsões sobre a organização dos seres vivos e do próprio universo. Em termos gerais, ela propõe que as chamadas leis naturais não são de fato, leis inexoráveis estabelecidas no momento do big-bang microcósmico por um código napoleônico. Ao invés, elas são “hábitos” que se desenvolveram junto com o próprio universo.

Esta não é, de fato, uma teoria vitalista, uma vez que eles admitem influências causais ocorrendo nos organismos vivos enquanto o resto da natureza funciona mecanicisticamente. Minha hipótese atua não somente em organismos vivos, mas também em moléculas e cristais. Penso que ambos portam alguma espécie de memória. E isto gera conseqüências verificáveis. Por exemplo: em Química, se um novo tipo de cristal é formado, não existirá uma campo morfogenético já pronto para ele. Mas quanto mais ele é cristalizado, mais fácil o processo se encaminha, se desenvolve, através justamente da ressonância mórfica de seus precedentes congêneres.

A substância se cristalizará mais facilmente no mundo inteiro. Na verdade este é um fenômeno bastante conhecido, em que pese os químicos usualmente alegarem que ele ocorre devido a fragmentos microscópicos dos cristais serem carreados de laboratório em laboratório nas barbas dos cientistas migrantes! Ou que estes mesmos fragmentos são levados pelo ar na forma de invisíveis partículas de poeira. Não concordo obviamente.

A TCM realmente “explica” holisticamente o organismo e o que se passa em seu interior?

Os campos mórficos explanam como os organismos vivos estão integrados e como as suas diferentes partes trabalham juntas. Naturalmente ela não nega a influência de campos eletromagnéticos e da química, justamente por inclui-las e aos conhecidos aspectos da Física em sua moldura mais abrangente.

Sob este foco, a herança não é exclusivamente genética. Os genes permitem aos organismos produzirem determinadas proteínas e alguns estão mesmo envolvidos no controle da síntese protéica. Mas gerar as proteínas certas não é suficiente para construir vida, muito menos dotá-la de suas herdadas formas de comportamento, seus instintos; o que se dá justamente em virtude dos campos mórficos, que não são transmitidos geneticamente, mas sim por intermédio da ressonância mórfica, uma influência direta do passado no presente, através do tempo.

Campos mórficos não só nos ajudam a compreender o desenvolvimento da forma e do comportamento, mas igualmente a organização dos grupos sociais.

Uma revoada de pássaros ou um cardume, possuem um campo mórfico que ligam seus membros entre si. Mesmo quando um deles abandona o grupo, este campo não se rompe, ao contrário, “se estica” atrás do desertor, mantendo a conexão original como se através de um elástico invisível. Penso até que esta conexão entre membros de um mesmo grupo constitui a base da chamada telepatia.

Sob quais correntes de pensamento a TCM nos ajudaria a compreender mais abrangentemente o fenômeno da vida? – É engraçado, inclusive que, quando eu era criança, tínhamos um cachorro negro de estimação, chamado “Veludo” que era muito apegado ao meu pai. Costumava ficar deitado ao portão esperando-o chegar diariamente do trabalho. E o estranho era que, mesmo quando não estávamos avistando o meu pai no final da rua longa e plana, Veludo já abanava o rabo ao “sentir” de alguma forma a chegada do seu dono. E o mais incrível ainda é que, mesmo quando meu pai viajava, o cão “sabia” quando ele ia chegar, durasse a viagem o tempo que fosse.

Como o cão poderia “saber” com antecedência sobre a chegada do seu dono – principalmente não sendo “da mesma espécie”?

Acredito que a telepatia é normal e natural entre os grupos sociais de seres viventes. Ela permite-lhes manterem-se “conectados”mesmo à distância. O fenômeno já foi exibido por diversos animais, principalmente domésticos, como cães e gatos, quando eles desenvolvem um apego com as pessoas. Eu desenvolvi muitas pesquisas sobre cães que conseguem captar os pensamentos e intenções de seus donos telepaticamente – inclusive de seu retorno ao lar. Alguns cachorros chegam a saber mais de 10 minutos antes, ás vezes até meia hora antes, que seus donos estão chegando em casa. Em centenas de experimentos controlados, filmados em vídeo, meu colega Pam Smart e eu concluímos que os cachorros realmente sabem com antecedência da chegada de seus donos, através de telepatia. Claro que nestas experiências ninguém da casa também sabia quando o dono estava chegando, e mesmo vindo eles de mais de 10 km de distância, de táxi, num momento determinado ao acaso, os cães “acertavam”. Replicadas independentemente por outros pesquisadores, estes experimentos exibiram os mesmos resultados, que foram largamente publicados em jornais científicos – os relatos completos das minhas experiências podem ser lidos no meu site. E toda minha pesquisa foi englobada em meu livro “Cães sabem quando seus donos estão chegando*”, publicado também aí no Brasil pela editora Objetiva.

O que o Sr, pensa da Teoria do Caos? Vê alguma conexão com as teorias de campos?

A Teoria do Caos nos ajuda a reconhecer que a natureza não é mecanicisticamente previsível como a ciência tradicional acreditava. Há uma grande parte da ciência que é indeterminada e absurdamente difícil de se prever, exceto justamente em nível de dinâmica caótica. E é precisamente este indeterminismo que dá margem a outros fatores causais na natureza. Penso que os campos mórficos funcionam através da padronização de eventos que, de outra forma, seriam indeterminados. Todos os detalhes dessa hipótese eu exponho no meu livro “A PRESENÇA DO PASSADO”, igualmente publicado em português pelo Instituto Piaget, de Lisboa, Portugal.

Sendo um pouco filosófico novamente, qual é a sua concepção do tempo? Encara-o com a 4ª dimensão do espaço, como preconizado por Einstein ou alguma coisa diferente?

Não vejo o tempo como a quarta dimensão espacial. Ele é a mensuração do processo de mudança dentro do universo e a flecha do tempo definitivamente foi “atirada” pela expansão do universo (big-bang) o qual sublinha toda evolução cosmológica. Eu não estou propondo que a ressonância mórfica ocorra fora do tempo e sim através dele, do passado para o presente.

Existe uma polaridade no tempo, entre o passado, presente e futuro e isto é fundamental para todos os processos biológicos.

Como pensador contemporâneo que é, o sr. acredita na “Interpretação de Múltiplos Universos? O que o faz acreditar que a realidade é mais complicada do que aparenta?

A Interpretação de Múltiplos Universos da Mecânica Quântica é apenas um dos diversos caminhos que tentam lidar com os paradoxos gerados por esta teoria. Para mim ela é totalmente mirabolante. Supor que o universo se bifurca a cada instante que um processo quântico ocorre e que há um número quase infinito de universos paralelos ao nosso próprio pode ser uma idéia profícua para a Ficção Científica, mas muito anti-econômica enquanto hipótese científica. Ela contradiz cada um dos princípios de economia e evidência ao postular um infinito número de universos paralelos sem nenhuma evidência no final das contas.

A Teoria Quântica preconiza que eventos ocorrem probabilisticamente e sob meu ponto de vista os campos mórficos atuam restringindo as possibilidades de forma que, de todos os possíveis fatos que poderiam sobrevir, somente alguns efetivamente sucedem. Minha hipótese de casualidade formativa através dos campos mórficos está estreitamente relacionada com a teoria quântica, fornecendo um entendimento muito mais plausível e satisfatório do fenômeno do universo do que aquela dos universos paralelos.

E é muito estranho que cientistas prontos a aceitar esta teoria, mesmo sem nenhuma evidência, manifestem-se rigorosamente contra fenômenos como a telepatia, para o qual já existe considerável evidência. Eu mesmo penso que é melhor trabalhar bem próximo dos fatos biológicos, para estudar fenômenos que não entendemos e postular hipóteses razoáveis para explicá-los, do que se aventurar em direção a especulações muito mais metafísicas do que científicas.

As novas possibilidades da ciência são fantásticas e ainda existem muitos fenômenos que não compreendemos, como os diversos aspectos do comportamento animal, o instinto, fenômenos “psi” e até da própria mente humana. Estamos nas bordas de um novo e regozijante período de desenvolvimento científico.

mardi 5 avril 2011

DA VIOLÊNCIA




Nada, em minha opinião, poderia ser teoricamente mais perigoso do que a tradição do pensamento orgânico na política de acordo com o qual o poder e a violência são interpretados em termos biológicos. Conforme são compreendidos esses termos hoje em dia, a vida e a sua suposta criatividade são o seu denominador comum, e assim a violência é justificada em termos de criatividade. As metáforas orgânicas as quais fermearam toda a nossa discussão acerca de questões políticas, especialmente das manifestações políticas – a noção de “uma sociedade enferma”, da qual as manifestações são um sintoma, da mesma forma que a febre é sintoma de uma infecção – irão apenas promover a violência no final das contas.

Assim, o debate entre aqueles que propõem meios violentos para restaurar “a lei e a ordem” e aqueles que propõem reformas não-violentas começa a parecer, ameaçadoramente, como uma discussão entre dois médicos que debatem as vantagens relativas do tratamento cirúrgico, sobre o tratamento clínico do paciente. Quanto mais doente estiver o paciente, maior a probabilidade de que o cirurgião tenha a última palavra. Ademais, enquanto falarmos em termos não-políticos, e não biológicos, os partidários da violência poderão apelar para o fato inegável de que no seio da natureza a destruição e a criação são apenas dois lados do processo, de modo que a violência coletiva, independentemente de sua atração inerente, poderá parecer um pré-requisito para a vida coletiva da humanidade, tão natural quanto a luta pela sobrevivência e a morte violenta para a continuação da vida no reino animal.

O perigo de se deixar levar pela plausibilidade das metáforas orgânicas é particularmente grande onde esteja envolvido o problema racial. O racismo, seja branco ou negro, está impregnado de violência por definição por objetar contra fatos orgânicos naturais – uma pele branca ou negra – que não poderiam ser mudados de modo algum; tudo o que se pode fazer, jogadas as cartas, é exterminar os donos dessas peles. Q racismo, distinto da raça, não é um fato da vida, mas uma ideologia, e as ações a que leva, não são ações reflexas, mas atos deliberados baseados em teorias pseudocientíficas.

A violência nos conflitos raciais é sempre assassina, não sendo, porém “irracional”; é a conseqüência lógica e racional do racismo, que não se resume em alguns preconceitos vagos de lado a lado, mas sim em um sistema ideológico explícito. Sob a pressão do poder; os preconceitos, distintos dos interesses e das ideologias, poderão recuar, conforme vimos acontecer ao movimento pelos direitos civis, que alcançou grande sucesso e que era inteiramente não violento. (“Por volta de 1964 (...) a maior parte dos americanos estavam convencidos de que a subordinação, e a um grau mais baixo, a segregação, estavam errados”.)103 Porém, enquanto os boicotes, demonstrações e sit-ins obtiveram sucesso na eliminação de leis discriminatórias no Sul, mostraram-se eles um total fracasso e tornaram-se contraproducentes ao encontrarem as condições sociais nos grandes centros urbanos – as grandes necessidades dos guetos negros de um lado, e os interesses supremos dos grupos brancos de baixa renda relativos à moradia, educação, etc., do outro lado. Tudo o que essa maneira de agir fez, foi trazer a público estas condições, trazê-las até as ruas, onde o fato de serem os interesses tão irreconciliáveis foi perigosamente exposto.

HANNAH ARENDT