mardi 24 avril 2012

Intolerância religiosa


Intolerância religiosa

O fervor religioso é uma arma assustadora, disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso

SOU ATEU e mereço o mesmo respeito que tenho pelos religiosos. A humanidade inteira segue uma religião ou crê em algum ser ou fenômeno transcendental que dê sentido à existência. Os que não sentem necessidade de teorias para explicar a que viemos e para onde iremos são tão poucos que parecem extraterrestres.

Dono de um cérebro com capacidade de processamento de dados incomparável na escala animal, ao que tudo indica só o homem faz conjecturas sobre o destino depois da morte. A possibilidade de que a última batida do coração decrete o fim do espetáculo é aterradora. Do medo e do inconformismo gerado por ela, nasce a tendência a acreditar que somos eternos, caso único entre os seres vivos. Todos os povos que deixaram registros manifestaram a crença de que sobreviveriam à decomposição de seus corpos. Para atender esse desejo, o imaginário humano criou uma infinidade de deuses e paraísos celestiais. Jamais faltaram, entretanto, mulheres e homens avessos a interferências mágicas em assuntos terrenos. Perseguidos e assassinados no passado, para eles a vida eterna não faz sentido.
Não se trata de opção ideológica: o ateu não acredita simplesmente porque não consegue. O mesmo mecanismo intelectual que leva alguém a crer leva outro a desacreditar.

Os religiosos que têm dificuldade para entender como alguém pode discordar de sua cosmovisão devem pensar que eles também são ateus quando confrontados com crenças alheias. Que sentido tem para um protestante a reverência que o hindu faz diante da estátua de uma vaca dourada? Ou a oração do muçulmano voltado para Meca? Ou o espírita que afirma ser a reencarnação de Alexandre, o Grande? Para hindus, muçulmanos e espíritas esse cristão não seria ateu?

Na realidade, a religião do próximo não passa de um amontoado de falsidades e superstições. Não é o que pensa o evangélico na encruzilhada quando vê as velas e o galo preto? Ou o judeu quando encontra um católico ajoelhado aos pés da virgem imaculada que teria dado à luz ao filho do Senhor? Ou o politeísta ao ouvir que não há milhares, mas um único Deus? Quantas tragédias foram desencadeadas pela intolerância dos que não admitem princípios religiosos diferentes dos seus? Quantos acusados de hereges ou infiéis perderam a vida?

O ateu desperta a ira dos fanáticos, porque aceitá-lo como ser pensante obriga-os a questionar suas próprias convicções. Não é outra a razão que os fez apropriar-se indevidamente das melhores qualidades humanas e atribuir as demais às tentações do Diabo. Generosidade, solidariedade, compaixão e amor ao próximo constituem reserva de mercado dos tementes a Deus, embora em nome Dele sejam cometidas as piores atrocidades. Os pastores milagreiros da TV que tomam dinheiro dos pobres são tolerados porque o fazem em nome de Cristo. O menino que explode com a bomba no supermercado desperta admiração entre seus pares porque obedeceria aos desígnios do Profeta. Fossem ateus, seriam considerados mensageiros de Satanás.

Ajudamos um estranho caído na rua, damos gorjetas em restaurantes aos quais nunca voltaremos e fazemos doações para crianças desconhecidas, não para agradar a Deus, mas porque cooperação mútua e altruísmo recíproco fazem parte do repertório comportamental não apenas do homem, mas de gorilas, hienas, leoas, formigas e muitos outros, como demonstraram os etologistas. O fervor religioso é uma arma assustadora, sempre disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso. Em vez de unir, ele divide a sociedade -quando não semeia o ódio que leva às perseguições e aos massacres.

Para o crente, os ateus são desprezíveis, desprovidos de princípios morais, materialistas, incapazes de um gesto de compaixão, preconceito que explica por que tantos fingem crer no que julgam absurdo. Fui educado para respeitar as crenças de todos, por mais bizarras que a mim pareçam. Se a religião ajuda uma pessoa a enfrentar suas contradições existenciais, seja bem-vinda, desde que não a torne intolerante, autoritária ou violenta.

Quanto aos religiosos, leitor, não os considero iluminados nem crédulos, superiores ou inferiores, os anos me ensinaram a julgar os homens por suas ações, não pelas convicções que apregoam.

DRAUZIO VARELLA

jeudi 19 avril 2012

Delírios religiosos


Qual é a freqüência de delírios religiosos entre portadores de transtornos psicóticos? As taxas de prevalência dependem do transtorno psicótico respectivo e do local no mundo onde vivem essas pessoas. Em áreas menos religiosas do mundo, um estudo mostrou, por exemplo, que só 7% de 324 pacientes japoneses internados tiveram delírios de perseguição e religiosos de culpa (Tateyama et al., 1998). Esta taxa é semelhante à de um estudo de âmbito nacional de pacientes hospitalizados com esquizofrenia no Japão que envolveu 429 pacientes cuja prevalência de delírios religiosos foi de 11% (Kitamura et al., 1998).
Nos Estados Unidos, vários estudos examinaram delírios religiosos em pacientes com esquizofrenia ou transtornos bipolar. O primeiro desses resultados oriundo de um estudo pequeno de 41 pacientes psicóticos em Nova York verificou que 39% dos pacientes com esquizofrenia e 22% daqueles com mania tinham delírios religiosos (Cothran e Harvey, 1986). Um estudo muito maior de 1.136 pacientes psiquiátricos internados nos Estados Unidos (do meio-oeste e do leste) destacou que 25% dos pacientes com esquizofrenia e 15% dos portadores de transtorno bipolar tinham delírios religiosos (Appelbaum et al., 1999). Comparados a outros delírios, delírios religiosos parecem ser aceitos com maior convicção que outros delírios. Finalmente, Getz et al. (2001) compararam a freqüência de delírios religiosos entre as denominações religiosas em 133 pacientes internados (74% de esquizofrenia) no Centro Médico da Universidade de Cincinnati. Foram documentados delírios religiosos em 24% dos 33 pacientes não-religiosos, 43% de 71 pacientes protestantes e 21% de 29 pacientes católicos.
Na Europa e Grã-Bretanha, um estudo com 251 pacientes internados com esquizofrenia na Áustria e Alemanha verificou taxa de prevalência de 21% para delírios religiosos (Tateyama et al., 1998). Um dos estudos mais detalhados até o momento na Grã-Bretanha detectou que 24% de 193 pacientes com esquizofrenia tinham delírios religiosos (Siddle et al., 2002a). Os pacientes com delírios religiosos tinham mais alucinações graves e delírios bizarros, maior nível de incapacitação, duração mais longa da doença e estavam tomando mais medicamentos antipsicóticos que outros pacientes. Assim, em estudos de pacientes com esquizofrenia, delírios religiosos estão presentes em 7% a 11% de pacientes japoneses, 21% a 24% de pacientes europeus ocidentais e 21% a 43% de pacientes nos Estados Unidos.
Poucos estudos têm examinado delírios religiosos entre pacientes psiquiátricos no Brasil. Mucci e Dalgalarrondo (2000) relataram uma série de enucleações oculares em seis casos de pacientes psiquiátricos, cinco unilaterais e uma bilateral. Delírios religiosos foram um fator significativo em muitos desses casos, com pacientes agindo como nos diz Mateus (5:29): "Se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti, pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno". Esses pacientes tiveram freqüentemente exacerbação aguda de esquizofrenia, e a enucleação auto-infligida ocorreu muitos anos após o início da doença. Esses seis casos foram vistos ao longo do período de 10 anos em um hospital universitário brasileiro.
No único estudo sistemático de pacientes psiquiá­tricos no Brasil, os pesquisadores examinaram 200 admissões consecutivas a um hospital psiquiátrico geral (Dantas et al., 1999). Para identificar o conteúdo religioso, um item foi acrescentado à forma expandida da BPRS. Foram incluídos os pacientes com diagnóstico psiquiátrico, não apenas aqueles com transtornos psiquiá­tricos. Os pesquisadores informam que 15,7% de todos os pacientes tiveram de moderados a intensos sintomas de conteúdo religioso. Uma correlação forte foi achada entre sintomas maníacos e experiências religiosas.
Qual é a origem dos delírios religiosos? Delírios religiosos existem em um continuum entre as crenças normais de indivíduos saudáveis e as crenças fantásticas de pacientes psicóticos. Em pacientes psicóticos, delírios religiosos são habitualmente acompanhados por outros sintomas e/ou comportamentos de doença mental, e não parecem ter nenhuma função positiva (Siddle et al., 2002a). Sabe-se que pessoas com sintomas psicóticos têm maior ativação do hemisfério direito do cérebro, o que também se verifica em pessoas saudáveis que tenham experiências místicas ou crenças paranormais (Lohr e Caligiuri, 1997; Pizzagalli et al., 2000; Makarec e Persinger, 1985). Contudo, a tentativa de localizar a origem dos delírios religiosos no cérebro não tem revelado resultados consistentes com os achados de neuroimagem descritos anteriormente. O único estudo realizado até o momento sugeriu que delírios religiosos sejam o resultado de uma combinação de hiperatividade do lobo temporal esquerdo e hipoatividade do lobo occipital esquerdo (Puri et al., 2001). Assim, até que mais pesquisas sejam realizadas, a origem neuroanatômica dos delírios permanece incerta. 

http://www.scielo.br/scielo.php?lng=en