mercredi 15 avril 2009

Para que Servem as Emoções?




É com o coração que se vê corretamente; o essencial é invisvel aos olhos.
ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY, O pequeno príncipe

Pensem nos últimos momentos de Gary e Mary Jane Chauncey, um casal inteiramente dedicado à filha Andrea, de onze anos, confinada a uma cadeira de rodas por uma paralisia cerebral. A família Chauncey viajava num trem da Amtrak que caiu num rio, depois que uma barcaca bateu e enfraqueceu uma ponte ferroviária, na região dos pântanos da Louisiana. Pensando primeiro na filha, o casal fez o que pôde para salvar Andrea quando a água invadiu o trem; de algum modo, eles conseguiram empurrá-la por uma janela para a equipe de resgate. E morreram, quando o vagão afundou.

A história de Andrea, de pais cujo último ato heróico é assegurar a sobrevivência de um filho, capta um momento de coragem quase mítica. Sem dúvida, esses incidentes de sacrifício paterno pela prole se repetiram inúmeras vezes na história e pré-história humanas, e inúmeras vezes mais no curso maior da evolução de nossa espécie.

Visto da perspectiva dos biólogos evolucionistas, esse auto-sacrifício paterno está a serviço do "sucesso reprodutivo" na transmissão dos genes a futuras gerações. Mas da perspectiva de um pai que toma uma decisão desesperada, num momento de crise, nada mais é do que amor. Como uma intuição do objetivo e força das emoções, esse ato exemplar de heroísmo paterno atesta o papel do amor altruísta e de todas as outras emoções que sentimos na vida humana. Indica que nossos sentimentos mais profundos, nossas paixões e anseios são guias essenciais, e nossa espécie deve grande parte de sua existência à força deles nos assuntos humanos. Essa força é extraordinária: só um amor poderoso a urgência de salvar uma filha querida levaria um pai a vencer o impulso de sobrevivência pessoal.Visto do intelecto, pode dizer-se que o auto-sacrifício deles foi irracional; visto do coração, era a única escolha a fazer.

Os sociobiólogos indicam a preeminência do coração sobre a mente nesses momentos cruciais, quando indagam por que a evolução deu à emoção um papel tão essencial na psique humana. Nossas emoções, dizem, nos guiam quando enfrentamos provações e tarefas demasiado importantes para serem deixadas apenas ao intelecto o perigo, a dor de uma perda, a persistência numa meta apesar das frustrações, a ligação com um companheiro, a formação de uma família. Cada emoção oferece uma disposição distinta para agir; cada uma nos põe numa direção que deu certo no lidar com os recorrentes desafios da vida humana. A medida que essas situações se repetiram e repetiram ao longo de nossa história evolucionária, o valor de sobrevivência de nosso repertório emocional foi atestado gravando-se em nossos nervos como tendências inatas e automáticas do coração humano.

Uma visão da natureza humana que ignora o poder das emoções é lamentavelmente míope. O próprio nome Homo sapiens, a espécie pensante, é enganoso à luz da nova apreciação e opinião do lugar das emoções em nossas vidas que nos oferece hoje a ciência. Como todos sabemos por experiência, quando se trata de modelar nossas decisões e ações, o sentimento conta exatamente o mesmo e muitas vezes mais que o pensamento. Fomos longe demais na enfatização do valor e importância do puramente racional do que mede o QI na vida humana. Para o melhor e o pior, a inteligência não dá em nada, quando as emoções dominam.

Daniel Goleman

lundi 6 avril 2009

Inocência Primordial



ALUNO: Poderia falar um pouco mais sobre o princípio darmakaya e a idéia de totalidade, bem como um pouco mais sobre o sambogakaya e o nirmanakaya?

TRUNGPA RINPOCHE: O princípio darmakaya aparentemente acomoda tudo. Acomoda quaisquer extremos, não interessa se os extremos estão ou não ali não faz diferença alguma. É a totalidade em que temos um espaço tremendo para nos movermos. O principio sambogakaya é a energia que está envolvida com a totalidade e que coloca ainda mais ênfase na totalidade. O aspecto de totalidade do darmakaya é como o oceano, e o aspecto sambogakaya é como as ondas deste oceano, que trazem a afirmação de que esse oceano existe. O aspecto nirmanakaya é como um navio no oceano, que torna a situação toda numa situação pragmática e trabalhável você pode velejar no oceano.

A: Como isso se relaciona com a confusão?

TR: A confusão é a outra parceira. Se há compreensão, esta compreensão geralmente tem
suas próprias limitações de compreensão embutidas. Assim a confusão está ali automaticamente até que o nível absoluto seja alcançado, onde a compreensão não necessita de sua própria ajuda, porque a situação como um todo é uma situação compreendida.

A: Como isso se aplica à vida cotidiana?

TR: Bem, na vida cotidiana é apenas o mesmo. Trabalhando com a totalidade, há o espaço
básico para trabalhar com a vida, e também há energia e pragmatismo envolvidos. Em outras palavras, nós não estamos limitados a uma coisa particular. Muito da frustração que temos sentimos com relação à nossas vidas vem do sentido de que os meios para mudar e improvisar em nossas situações cotidianas são inadequados. Mas estes três princípios, darmakaya, sambogakaya e nirmanakaya nos abrem tremendas possibilidades para improvisação. Há infinitos recursos de todos os tipos com que podemos trabalhar.

A: Do que consistia o relacionamento de Padmasambhava com Rei Indrabhuti? Como isto está
relacionado a seu desenvolvimento a partir de sua inocência básica?

TR: Rei Indrabhuti foi sua primeira platéia, seu primeiro representante de samsara. O fato
de Indrabhuti leva-lo ao palácio foi o começo de seu aprendizado de como trabalhar com os alunos, pessoas confusas. Indrabhuti concedeu-lhe uma forte representação da mente confusa numa figura paterna.

A: Quem eram a mãe e o filho que foram mortos?

TR: Há várias interpretações a este respeito nas escrituras e comentários que dizem respeito à vida de Padmasambhava. Já que o vajra está ligado aos meios hábeis, a criança morta pelo vajra é o oposto dos meios hábeis, ou seja agressão. O tridente está ligado à sabedoria, assim a mãe morta representa ignorância. E há mais justificativas baseadas no carma das vidas passadas: o filho era fulano e cometeu tal ato cármico negativo, e o mesmo com a mãe. Se torna bem complicado. A história de Padmasambhava, neste contexto aqui está numa dimensão completamente diferente a dimensão do mundo psicológico. Ela alcança um nível pragmático, assim por dizer, quando ele chega ao Tibete e começa a lidar com os tibetanos. Antes
disso, é como o reino da mente.

A: Há alguma analogia entre estas duas mortes e a espada de Manjushri cortando a raiz da
ignorância? Ou o Buda falando sobre shunyata, vacuidade, e alguns de seus discípulos tendo ataques cardíacos?

TR: Não acho que seja assim. A espada de Manjushri está muito mais direcionada com
relação à prática no caminho, e a história de Padmasambhava está relacionada com o resultado. Já que você já experimentou um instantâneo flash de iluminação, como você lida com si mesmo depois disso? A história de Manjushri e a história do Sutra do Coração e todas as outras histórias de ensinamentos do sutras correspondem aos níveis hinayana e mahayana e são apropriadas para um buscador no caminho. O que estamos discutindo aqui é a noção guarda-chuva a noção de vir de lá de cima: tendo já atingido iluminação, como trabalhamos com programas adicionais? A história de Padmasambhava é um manual para Budas e cada um de nós é um deles.

A: Ele estava experimentando com a vontade?

TR: Bem, no reino do darmakaya é muito difícil dizer o que é e o que não é a vontade. Não
há realmente nada.

A: Gostaria de saber mais sobre as metáforas contrastantes de comer-se de dentro para fora e despir camadas pelo lado de fora. Se compreendi corretamente, despir as camadas é o caminho do bodisatva, e já no caminho tântrico, você está comendo de dentro para fora. Mas não entendo as metáforas.

TR: O ponto aqui é que tantra é contagioso. Envolve uma substância muito poderosa, que é a natureza de Buda comendo de dentro ao invés de ser alcançada após retirarmos camadas externas. Na história da vida de Padmasambhava, estamos discutindo o resultado como caminho, ao invés de discutir o caminho como caminho. É uma perspectiva completamente diferente; não é o ponto de vista dos seres sencientes tentando atingir iluminação, mas o ponto de vista de uma pessoa iluminada tentando relacionar-se com os seres sencientes. É por isso que o enfoque tântrico é um de comer para fora, de dentro para fora. As dificuldades de Padmasambhava com seu pai, o Rei Indrabhuti, e com o assassinato da criança e de sua mãe estão todos ligados
aos seres sencientes. Estamos contando a história interna ao invés de assistir o documentário externo a respeito de outra pessoa.

A: Como este comer de dentro acontece?

TR: Através de lidar com as situações habilidosamente. As situações já foram criadas para você, e você apenas sai e surfa com elas. É como um quebra-cabeças auto-existente que se monta a si próprio.

A: É o aspecto darmakaya que dissipa a esperança e o medo?

TR: Sim, isto parece ser o básico. Esperança e medo estão por toda parte, como uma situação assombrada. Mas o darmakaya elimina completamente a assombração.

A: Você está dizendo que a história de Padmasambhava, do seu nascimento no lótus até seu destruir de todas as camadas de expectativas dos alunos e finalmente se manifestar como Dorje Trolö, está se movendo vagarosamente do darmakaya até o nirmanakaya?

TR: Sim, é nisto que estou tentando chegar. Até agora ele já surgiu no darmakaya e está chegando na borda do sambogakaya. O sambogakaya é o princípio de energia, ou principio de dança darmakaya sendo o pano de fundo geral.

A: É por isso que esperança e medo têm que desaparecer antes da

TRUNGPA RINPOCHE: Antes da dança acontecer. Sim, definitivamente.

ALUNO: A energia do sambogakaya é a energia a qual desejo e raiva estão ligados?

T: O nível sambogakaya não parece ser isto. É o aspecto positivo que é deixado pelo processo de desmascarar. Em outras palavras, você atinge a ausência de agressão, e essa ausência se transforma em energia.

A: Assim quando as máculas são transformadas em sabedoria

TR: Transmutadas. Se trata até mesmo mais do que transmutação não sei que tipo de palavra poderia haver. As máculas estão sendo tão completamente relacionadas que sua função se torna inútil mas seu nãofuncionamento se torna útil. Há outro tipo de energia no sambogakaya.

A: Parece haver algum tipo de piada cósmica sobre a coisa toda. O que você está dizendo é que você tem que tomar o primeiro passo, mas você não pode tomar o primeiro passo até que você tenha tomado o primeiro passo.

TR: Sim, você tem que ser empurrado até isto. É aqui que surge o relacionamento entre
professor e aluno. Alguém tem que empurrar. Este é o nível bem primitivo, inicial.

A: Você está empurrando?

TR: Acho que sim.

Tradução por Eduardo Padma Dorje (pdorje@zaz.com.br) e Ana Macedo, em setembro de 2001. Instituto Caminho do Meio em Porto Alegre/RS (http://bodisatva.org).