mardi 24 mars 2009

Dorje Trolö e os Três Estilos de Transmissão



Louca Sabedoria
Chögyam Trungpa

O OITAVO ASPECTO DE PADMASAMBHAVA é Dorje Trolö, o aspecto final e absoluto da louca sabedoria. Para discutir este oitavo aspecto de Padmasambhava, temos que ter algum conhecimento básico sobre formas [tradicionais] de passar os ensinamentos. A idéia de linhagem está associada com a transmissão da mensagem da adhishthana, que significa energia ou, se você preferir, graça. Ela é transmitida como uma corrente elétrica do guru trikaya para os seres sencientes. Em outras palavras, a louca sabedoria é uma energia contínua que flui e que, enquanto flui, se regenera. A única forma de regenerar esta energia é a irradiando ou comunicando e colocando em prática. Não é como as outras energias, que, quando você as usa, se movem na direção da extinção ou cessação. A energia da louca sabedora regenera a si própria através do processo de a estarmos vivendo.

Enquanto você vive essa energia, ela se regenera; você não vive para a morte mas sim para o nascimento. Viver é um constante processo de nascimento ao invés de um processo de desgaste.
A linhagem tem três estilos de transmitir essa energia. A primeira é chamada kangsaknyen-gyü. Aqui a energia da linhagem é transmitida pela palavra, usando idéias e conceitos. De certa forma este é um método primitivo ou grosseiro, um enfoque um tanto dualista. Porém, neste caso o enfoque dualista é válido e funciona.

Se você sentar de pernas cruzadas, como se você estivesse meditando, é bem provável que você
realmente se encontre meditando depois de um tempo. Isto é como atingir a sanidade imitando-a, ao comportarse como se você já fosse são. Da mesma forma, é possível usar palavras, conceitos, imagens, idéias ensinar de forma oral ou escrita como se estas coisas fossem meios absolutamente perfeitos de transmissão. O procedimento é apresentar uma idéia, então a refutação [do oposto] daquela idéia, e então associar aquela idéia com uma escritura ou ensinamento autêntico que tenha sido apresentado no passado.

Acreditar num nível primitivo que algumas coisas são sagradas é o primeiro passo da transmissão. tradicionalmente não devemos caminhar por sobre as escrituras ou livros sagrados, não devemos sentar neles ou destrata-los de qualquer forma, porque coisas muito poderosas são ditas neles. A idéia é que ao destratar os livros, você destrata as mensagens que eles contém. Este é um tipo de crença em algum tipo de entidade, ou energia, ou força na qualidade viva de algo. O segundo estilo de comunicação ou ensinamento, é o rigdzin da-gyü. Este é o método da louca sabedoria, mas no nível relativo, não no nível absoluto. Aqui você se comunica ao criar incidentes que parecem acontecer por si próprios. Tais incidentes aparentemente são totalmente inocentes, mas eles tem um instigador em algum lugar. Em outras palavras, o guru se afina com a energia cósmica, ou como você queira chama-la.

Então se há uma necessidade de criar caos, ele direciona a atenção para o caos. De acordo com isso, o caos se apresenta, como se tivesse acontecido por acaso ou engano. Da em tibetano significa símbolo ou sinal. O sentido disso é que o guru de louca sabedoria não fala ou ensina num nível ordinário, mas sim, ele ou ela cria um símbolo, ou dá um sentido. Um símbolo nesse caso não é algo que quer dizer uma outra coisa, mas é algo que apresenta a qualidade vívida da vida e cria uma mensagem a partir dela.

O terceiro é chamado gyalwa gong-gyüi. Gong gyü significa linhagem de pensamento ou linhagem
da mente. Do ponto de vista da linhagem dos pensamentos, mesmo o método de criar situações é grosseiro, ou primitivo. Aqui há uma compreensão mútua que surge e cria uma atmosfera geral
e a mensagem é compreendida. Se o guru da louca sabedoria é um ser autêntico, então a comunicação autêntica acontece, e os meios de comunicação não são nem palavras nem símbolos. Apenas por estar ali, por ser, um sentido de precisão é comunicado. Talvez tome a forma de esperar por nada. Talvez tome a forma de fingir meditar junto, mas não fazer nada. Aliás, pode envolver um relacionamento muito casual: discutir o clima e o sabor do chá; como fazer curry, chop suey, ou culinária macrobiótica; ou falar sobre história, ou sobre os vizinhos, qualquer coisa.

A louca sabedoria da linhagem de pensamento toma uma forma que muitas vezes é desapontadora para o recipiente ansioso dos ensinamentos. Você pode ir fazer uma visita ao guru, e você se preparou muito para essa ocasião, e ele não está nem mesmo interessado em falar com você. Ele está ocupado lendo o jornal. Aliás, elepode criar um ambiente negro, uma certa intensidade que torna a situação toda ameaçadora. E nada está acontecendo, nada acontecendo ao ponto de que você vai embora aliviado, feliz de não ter de permanecer ali. Mas então algo acontece com você como se tudo tivesse acontecido durante aqueles momentos de silêncio e intensidade. A linhagem do pensamento é mais uma presença do que algo acontecendo. E ela também tem uma qualidade absolutamente convencional, ordinária.

Nas abhishekas tradicionais, ou cerimônias de iniciação, a energia da linhagem do pensamento é
transmitida a seu sistema no nível do quarto abhisheka. Nesse momento, o guru perguntará repentinamente, Qual é seu nome? ou Onde está sua mente? Essa questão abrupta momentaneamente o leva além de sua agitação mental, criando uma perplexidade de um tipo diferente [do tipo que já acontece na sua mente normalmente]. Você busca por uma resposta e percebe que tem um nome e que ele quer saber qual é. É como se antes você não tivesse um nome, mas agora você descobriu que tem um nome. É esse tipo de momento abrupto

É claro que tais cerimônias estão sujeitas à adulteração. Se o professor está apenas seguindo as escrituras e os comentários, e o aluno está ansiosamente esperando algo poderoso, então tanto o professor quanto o aluno perdem o barco simultaneamente. A comunicação da linhagem dos pensamentos é o ensinamento do darmakaya; a comunicação por símbolos e sinais, criar situações é o nível sambogakaya de ensinamento; e a comunicação por palavras é o nível nirmanakaya de ensinamento. Estes são os três estilos através dos quais o guru de louca sabedoria se comunica com o aluno potencial de louca sabedoria. A coisa toda não é tão ultrajante quanto pode parecer. Ainda assim, há uma tendência oculta de tirar vantagem da natureza travessa da realidade, e isto cria uma sensação de loucura ou uma sensação de que alguma coisa ou outra não seja tão sólida. Seu sentido de segurança está sob ataque. Assim o recipiente da louca sabedoria, o aluno de louca sabedoria ideal, deveria se sentir extremamente inseguro, ameaçado. Dessa forma você cria metade da louca sabedoria e o guru cria a outra metade. Tanto o guru quanto o aluno estão assustados pela situação. Sua mente não tem nada no que trabalhar.

Uma brecha repentina se abriu perplexidade. Este tipo de perplexidade é bem diferente da perplexidade da ignorância. Esta é a perplexidade que ocorre entre a questão e a resposta. Há uma questão, e você está prestes a responder esta questão: há uma brecha. Você já sangrou ou suou sua pergunta, e a resposta não veio ainda. Já há uma sensação de resposta, uma sensação de que algo positivo está acontecendo mas nada ainda aconteceu. Há este ponto onde a resposta está prestes a nascer e a questão acabou de morrer.

Há uma química muito estranha aqui; a combinação da morte da questão e o nascimento da resposta cria incerteza. É uma incerteza inteligente aguçada, inquisitiva. Ela não é como a perplexidade de ignorância do ego, que perdeu completamente o contato com a realidade porque você deu a luz à dualidade e está incerto a respeito sobre como será o próximo passo. Dessa forma você está perplexo devido ao enfoque tomado pelo ego com relação à dualidade. Mas nesse caso não é perplexidade no sentido de não saber o que fazer, mas perplexidade porque algo está prestes a acontecer e ainda não aconteceu.

A louca sabedoria de Dorje Trolö não é razoável mas um tanto pesada, porque a sabedoria não permite acordos. Se você faz um acordo entre o branco e o preto, você acaba com uma cor cinza nem branca nem preta. É uma média triste ao invés de uma média alegre é desapontadora. Você sente-se mal porque você permitiu esse acordo. É por isso que a louca sabedoria não conhece nenhum acordo. O estilo da louca sabedoria é nos inflar: inflar o ego ao ponto do absurdo, ao ponto da comédia, ao ponto que se torna bizarro e então repentinamente largar. Então você tem uma grande queda, como Humpty Dumpty: All the king´s horses and all the king´s men / Couldn´t put Humpty Dumpty together again. ( Nem todos os cavalos e homens do rei / conseguiriam montar Humpty Dumpty de novo. )

Voltando à história de Padmasambhava como Dorje Trolö, uma deidade local do Tibete perguntou a ele, O que lhe dá mais medo? Padmasambhava disse, Tenho medo de pecado neurótico. Acontece que a palavra tibetana para pecado dikpa é também a palavra para escorpião, então a deidade local pensou que poderia assustar Padmasambhava ao se manifestar para ele como um escorpião gigantesco. A deidade local foi reduzida a pó como um escorpião. Supostamente o Tibete é cercado por montanhas nevadas e há doze deusas associadas com estas montanhas que são guardiãs do país. Quando Dorje Trolö foi ao Tibete, uma dessas deusas recusou-se render-se a ele. Ela fugiu dele ela correu para todos os lados. Ela subiu uma montanha pensando que estava fugindo de

Padmasambhava e descobriu-o já ali antes dela, dançando no cume da montanha. Ela correu para um vale e encontrou Padmasambhava já no fundo, sentando na confluência entre aquele vale e o vale vizinho. Não importava para onde ela corria, ela não conseguia escapar. Finalmente ela decidiu saltar num lago e se esconder por lá. Padmasambhava transformou o lago em ferro incandescente, e ela emergiu como uma espécie de esqueleto. Finalmente, ela teve que se render, porque Padmasambhava estava por toda parte. De certa forma era extremamente claustrofóbico. Uma das expressões de louca sabedoria é que você não pode escapar dela. Está por todo lado, seja lá o que for.

Em Taktsang no Butão, Padmasambhava se manifestou como Dorje Trolö. Ele transformou sua consorte Yeshe Tsogyal numa tigresa prenhe, e vagou pelas colinas de Taktsang cavalgando nessa tigresa prenhe. O fato dele manifestar-se dessa forma tinha a ver com subjugar as energias psíquicas do país, um país que estava infestado com crenças primitivas a respeito de ego e Deus. Outra expressão de louca sabedoria é controlar energias psíquicas. A forma de controlar energias
psíquicas não é criar uma energia psíquica ainda maior e tentar domina-la. Isto apenas aumenta a guerra, e se torna muito cara como a guerra do Vietnã. Você vem com uma contra-estratégia e então há uma contracontra-estratégia e então uma contra-contra-contra-estratégia. Assim a idéia não é criar um super-poder. A forma de controlar a energia psíquica das crenças primitivas é instigar o caos. Introduzir confusão naquelas energias, confundir a lógica das pessoas. Confundi-las ao ponto delas terem que pensar duas vezes. Este é como o momento da troca dos guardas. Naquele momento, quando eles começam a pensar duas vezes, a energia da louca sabedoria toma conta.

Dorje Trolö controlava as energias psíquicas das crenças primitivas ao criar confusão. Ele era meioindiano e meio-tibetano, uma pessoa de fisionomia indiana vestida como um louco Tibetano. Ele segurava um vajra e uma adaga, chamas saiam de seu corpo, e ele cavalgava uma tigresa prenhe. Era bem estranho. Ele não era nem parecido com uma deidade local nem bem um guru convencional. Ele não era nem guerreiro nem rei. Ele certamente não era uma pessoa comum. Cavalgar num tigre é considerado um erro, mas de alguma forma ele conseguiu. Ele estava tentando se disfarçar de tibetano, ou o que ele estava tentando fazer? Ele não estava particularmente ensinando alguma coisa. Você não podia lidar com ele como um sacerdote Pön ou um missionário. Ele não estava convertendo ninguém; isso também não parecia ser do seu estilo. Ele estava apenas instigando o caos por onde quer que fosse. Até mesmo as deidades locais ficaram confusas completamente transtornadas.

Quando Padmasambhava foi ao Tibete, os indianos ficaram muito preocupados. Eles sentiram que estavam perdendo algo muito precioso, já que parecia que ele havia decidido dar seus ensinamentos de louca sabedoria apenas para os tibetanos. Este foi um insulto terrível para os indianos. Eles se orgulhavam de ser os supremos arianos, a raça mais inteligente, os mais receptivos aos ensinamentos elevados. E agora, ao invés de ensina-los, Padmasambhava estava indo para um país selvagem, o Tibete, além das áreas fronteiriças; e ele havia decidido ensinar os tibetanos ao invés deles. O rei Surya Simha de Uttar Pradesh, a província central da Índia, mandou três acharyas, ou mestres espirituais, ao rei do Tibete com uma mensagem muito polida dizendo que este dito Padmasambhava era um charlatão, na verdade um mago negro. O rei indiano disse aos tibetanos que Padmasambhava era perigoso demais para que os tibetanos o mantivessem em seu país e que eles deviam manda-lo de volta.

O ponto interessante aqui é que os ensinamentos da louca sabedoria só podem ser dados em países selvagens, onde há maiores oportunidades de tomar vantagem do caos, ou velocidade como quer que você queira chamar este fator. A personalidade de louca sabedoria de Padmasambhava como Dorje Trolö é a de um guru que não faz acordo com qualquer coisa. Se você ficar em seu caminho, está pedindo por destruição. Se você tem dúvidas quanto a ele, ele tira vantagem de suas dúvidas. Se você é muito devocional ou muito dependente numa fé cega, ele o chocará. Ele toma o aspecto irônico do mundo com grande seriedade. Ele prega peças em vasta escala peças devastadoras.

O simbolismo do tigre também é interessante. Está ligado a idéia da chama, com fogo e fumaça. E
supõe-se uma tigresa prenhe como o tipo mais agressivo de tigre. Ela está faminta, um pouco louca, completamente ilógica. Você não pode entender sua psicologia e trabalhar com ela racionalmente. Ele bem pode comer você a qualquer momento. Essa é a natureza do transporte de Dorje Trolö, de seu veículo. O guru de louca sabedoria cavalga essa energia perigosa, impregnada de todos os tipos de possibilidades. Poderíamos dizer que este tigre representa meios hábeis, loucos meios hábeis. E Dorje Trolö, que é a louca sabedoria, cavalga neles.
Eles formam um excelente casal.

Há um outro lado de Padmasambhava no Tibete, um que não faz parte dos oito aspectos. Para os tibetanos, Padmasambhava é uma figura paternal. Como tal, geralmente refere-se a ele como Guru Rinpoche, o guru. Ele se apaixonou pelos tibetanos e esbanjou grandes cuidados com eles (não exatamente da mesma forma que os missionários se apaixonaram pelos africanos). Pensava-se que os tibetanos fossem burros. Eles eram muito fiéis e muito práticos. Portanto, havia uma tremenda abertura para introduzir a loucura da impraticabilidade: abandone sua fazenda, abandone sua casa, vagueie por essas montanhas vestido naquelas roupas esquisitas de iogue. Uma vez que os tibetanos começaram a aceitar estas coisas como atos de sanidade, eles se tornaram excelentes iogues, porque seu foco com relação à prática iogue também era prático. Assim como eles haviam fielmente cultivado as terras e fielmente cuidado de seus rebanhos, eles seguiram o chamado ióguico também com fidelidade.

Os tibetanos não eram artísticos como os japoneses. Pelo contrário, eles eram excelentes fazendeiros, excelentes mercadores, excelentes magos. A tradição Pön do Tibete era muito terrena. Preocupava-se somente com a realidade da vida. As cerimônias Pön eram também muitas vezes bem práticas. Uma das cerimônias sagradas envolvia fazer uma fogueira nas montanhas o que te aquece. Parece que a dissimulação que os Tibetanos mostraram no curso das intrigas políticas do século vinte era completamente fora de questão. Este tipo de corrupção e intriga política surgiram no Tibete do exterior dos filósofos arianos da Índia e dos políticos imperiais da China. O enfoque de Padmasambhava era muito belo, e suas profecias previram tudo que aconteceu no Tibete, inclusive a corrupção. Por exemplo, as professias nos dizem que no fim o Tibete seria conquistado pela China, e que os chineses entrariam no país no Ano do Cavalo, e que eles invadiriam como um cavalo faria. Os comunistas chineses realmente invadiram o país no Ano do Cavalo, e eles construíram estradas da China ao Tibete e por todo o Tibete e introduziram os veículos motorizados. As profecias também dizem algo no estilo de que no Ano do Porco, o país seria reduzido ao nível de um porco, o que se refere às crenças primitivas, a doutrinação dos tibetanos com idéias estrangeiras.

Outra profecia de Padmasambhava diz que o fim do tibete ocorreria quando os objetos das casas de Tsang, a província mais alta, seriam encontrados em Kongpo, a província mais baixa. De fato, aconteceu uma grande inundação na província mais alta quando o topo de uma geleira caiu num lago. O rio Brahmaputra inteiro transbordou, e varreu vilas e mosteiros no seu curso. Muitos dos artigos caseiros desses lugares foram encontrados em Kongpo, para onde o rio os havia carregado. Estas profecias também dizem que outro sinal do fim do Tibete seria a construção de um templo amarelo aos pés do Palácio Potala, em Lhasa. De fato, o décimo terceiro Dalai Lama teve uma visão de que um templo de Kalachakra deveria ser construído ali, e ele o pintou de amarelo. Outra das profecias de Padmasambhava diz que ao décimo quarto estágio, o arco-íris do Potala desapareceria. O décimo quarto estágio refere-se aos tempos do atual Dalai Lama, o décimo quarto. O Palácio Potala é o palácio de inverno do Dalai Lama.

Quando Padmasambhava contou estas histórias, o rei Tibetano e seus ministros ficaram extremamente perturbados, e eles pediram a Padmasambhava que os ajudasse. Qual é a melhor coisa que podemos fazer para preservar nosso país? eles perguntaram a ele. Não há nada que possamos fazer, ele respondeu, além de preservar os ensinamentos que estão sendo concedidos agora e preserva-los em um local seguro. Ele então apresentou a idéia de enterrar tesouros, escritos sagrados. Ele colocou vários de seus escritos em recipientes de ouro e prata na forma de cápsulas, e os enterrou em certos locais apropriados em diferentes partes do Tibete, de forma que o povo do futuro os redescobririam. Ele também enterrou artigos em geral: jóias suas, jóias do rei e da família real, e artigos de famílias comuns de fazendeiros também. A idéia era de que as pessoas se tornariam mais primitivas, que a inteligência humana iria regredir, e que as pessoas não seriam mais capazes de trabalhar bem com as mãos e produzir objetos daquele nível artístico.

Assim estas coisas foram enterradas por todo Tibete, fazendo uso de conhecimento científico possivelmente indiano sobre como preservar os pergaminhos e outros tipos de objetos. Os tesouros foram enterrados em muitas camadas de proteção, incluindo camadas de carvão, giz, e outros materiais com propriedades químicas. Também, por segurança, havia uma camada de veneno ao redor do exterior, de forma que ladrões e outras pessoas sem o conhecimento correto seriam incapazes de desenterra-los. Tais tesouros tem sido descobertos até os dias de hoje por professores que são supostamente tülkus dos discípulos de Padmasambhava. Eles tem visões psíquicas (o que quer que estas sejam), de certos lugares onde devem cavar. Então eles fazem o processo de desenterrar como uma cerimônia. Os devotos devem ser reunidos bem como os
trabalhadores que farão o trabalho pesado. Algumas vezes o tesouro teve que ser desencavado de uma pedra. Este processo de redescobrir os tesouros tem estado acontecendo o tempo todo, e um bocado de escritos secretos tem sido revelados. Um exemplo é O Livro Tibetano dos Mortos.

Outro enfoque de preservar tesouros de sabedoria é o estilo da linhagem da mente. Os ensinamentos foram redescobertos por certos professores apropriados que os lembravam de memória e os escreveram. Este é outro tipo de tesouro oculto. Um exemplo de Padmasambhava agindo como uma figura paternal para o Tibete foi sua advertência ao Rei Trisong Detsen. A celebração de Ano Novo estava prestes a acontecer, o que tradicionalmente inclui corrida de cavalos e competições de arco-e-flecha, entre outros eventos. Padmasambhava disse, Não deveria haver corridas de cavalo e competições de arco-e-flecha desta vez. Mas as pessoas ao redor do rei acharam um jeito de passar por cima do aviso de Padmasambhava, e o rei foi morto pela flecha de um assassino desconhecido durante a corrida de cavalos. Padmasambhava amou muito o Tibete e seu povo, e poderíamos esperar que ele permanecesse ali. Mas outra parte interessante da história é que num determinado momento, ele foi embora. Parece que há apenas um tempo determinado para cuidar e observar as situações. Uma vez que o país tinha se integrado espiritualmente e convencionalmente e as pessoas haviam desenvolvido alguma sanidade, Padmasambhava deixou o Tibete. Padmasambhava ainda vive, literalmente. Ele não vive na América do Sul, mas em algum local remoto num continente de vampiros, num local chamado Sandok Pelri, Gloriosa Montanha Cor de Cobre. Ele ainda vive. Já que ele é o estado do darmakaya, o fato de corpos físicos dissolverem-se na natureza não é considerado um grande problema. Então se você procurar por ele, você pode encontra-lo. Mas tenho certeza de que você ficaria muito desapontado quando o visse.

Claro, não estamos mais falando apenas desses oito aspectos. Tenho certeza que desde então ele
desenvolveu milhões de aspectos.

Tradução por Eduardo Padma Dorje (pdorje@zaz.com.br) e Ana Macedo, em setembro de 2001. Instituto Caminho do Meio em Porto Alegre/RS (http://bodisatva.org).