Atenção
Um dia Peter,
gerente de projetos em
Informática, próximo de seus 50 anos, foi participar de um retiro de meditação budista a procura de um pouco de paz, numa época extremamente difícil de sua vida – bancarrota financeira, casamento em crise e uma mãe doente. Mas essa paz que ele buscava através da
pratica meditativa logo se transformaria num grande pesadelo. Toda dor
que ele tentava esconder veio a tona no espaço calmo desse retiro meditativo. Seguindo
as indicações propostas, ele tenta – em vão – se concentrar na
sua respiração
Mas logo o problema se amplifica – ao seu lado, uma mulher que se
agitava o tempo todo começa a ter um crise de tosse que dura todo o
desenrolar da pratica.
Peter,
que tentava apenas buscar um alivio para os seus próprios problemas começa a
realmente se sentir incomodado com o comportamento da mulher ao
seu lado. Então, num certo momento do retiro, ele vai se queixar com Debra
Chamberlin-Taylor - que ensinava junto comigo - que a meditação nao
funcionava com ele e que ele iria embora. Ela solicita que ele
feche os olhos e perceba em que estado esta todo o seu corpo. Ele
estava completamente tenso e isso o fazia sofrer. Com a sua ajuda,
Peter descobriu que poderia suportar o que estava acontecendo nesse
momento através de uma espécie de atenção sem julgamento. Ele respira
profundamente, conseguindo relaxar um pouco, e reconhece que o remédio que ele realmente precisava era nao tentar fugir da sua dor.
As próximas instruções eram simples: tentar perceber o que
acontecia com seu corpo sem cair na armadilha do julgamento.
Simplesmente perceber tudo o que se passava. Ao retornar para a sala
de meditação ele logo percebeu que o
comportamento da mulher ao seu lado nao havia mudado. E que sua crise
de tosse continuava. Peter sentiu então os seus próprios músculos se contraírem e sua respiração travar. Contudo, seguindo o que havia
sido lhe indicado, ele continuou a perceber mais profundamente seu próprio corpo. A cada tossida ele percebe todo o seu corpo se
contrair e uma grande raiva vir a tona - que se desfazia logo em
seguida durante uma pequena pausa silenciosa. No fim da sessão ele se levanta para ir ao refeitório e percebe que a mesma mulher
esperava na fila em sua frente. Ele então se da conta que o simples
fato de ve-la trazia a tona toda a tensão.
Novamente, ele percebe o que esta acontecendo. Respira. E consegue se
descontrair. Depois, ao procurar se informar que horas seria o
encontro com o instrutor de meditação para um feedback ele percebe
que o nome da mulher estava logo abaixo do seu na lista. Mais uma vez
o seu corpo reage de forma negativa e sua respiração trava.
Entretanto, como ele continuava a praticar essa atenção sugerida ele
se desarma e percebe enfim que o seu corpo havia se transformado numa
especie de espelho e que ele lhe mostrava ao mesmo tempo o veneno e o remédio de seu problema: reconhecer que a tensão se formava e
perceber a possibilidade de desativa-la.
Nos
dias seguintes a atenção de Peter se tornara cada ver mais acurada. Ele
percebe que seus pensamentos cheios de dor e raiva - relacionados a sua própria família e a sua realidade profissional - suscitavam a mesma tensão, o mesmo travamento, que lhe causava o comportamento daquela mulher que
tossia ao seu lado na sala de meditação Durante toda a sua vida ele
tentou controlar tudo o que havia em sua volta e agora que a vida lhe
mostrava quem realmente dava as cartas nesse jogo, toda uma sequência de frustração dor e cólera vinham a tona. Mas, felizmente, a cada
movimento, a cada imagem mental, ele percebia o que realmente
se passava - sem julgamento. Ele começa então a notar como que esse
simples estado mental poderia lhe ser útil No fim do retiro ele
constatou que estava profundamente agradecido aquela mulher.
Graças
a atenção, Peter conseguiu enfim relaxar seu corpo e sua mente. Ele
descobriu, enfim, o que no zen é chamado de mente
de principiante. «Prestamos atenção munidos de respeito e interesse, nao para poder
manipular a realidade, mas para compreender o que é
real. E percebendo essa verdade o coração se torna livre!»*
*Shunryu Suzuki
The Wise Heart - Jack Kornfield