lundi 11 mars 2013

Atenção



Um dia Peter, gerente de projetos em Informática, próximo de seus 50 anos, foi participar de um retiro de meditação budista a procura de um pouco de paz, numa época extremamente difícil de sua vida – bancarrota financeira, casamento em crise e uma mãe doente. Mas essa paz que ele buscava através da pratica meditativa logo se transformaria num grande pesadelo. Toda dor que ele tentava esconder veio a tona no espaço calmo desse retiro meditativo. Seguindo as indicações propostas, ele tenta – em vão – se concentrar na sua respiração  Mas logo o problema se amplifica – ao seu lado, uma mulher que se agitava o tempo todo começa a ter um crise de tosse que dura todo o desenrolar da pratica.

Peter, que tentava apenas buscar um alivio para os seus próprios problemas começa a realmente se sentir incomodado com o comportamento da mulher ao seu lado. Então, num certo momento do retiro, ele vai se queixar com Debra Chamberlin-Taylor - que ensinava junto comigo - que a meditação nao funcionava com ele e que ele iria embora. Ela solicita que ele feche os olhos e perceba em que estado esta todo o seu corpo. Ele estava completamente tenso e isso o fazia sofrer. Com a sua ajuda, Peter descobriu que poderia suportar o que estava acontecendo nesse momento através de uma espécie de atenção sem julgamento. Ele respira profundamente, conseguindo relaxar um pouco, e reconhece que o remédio que ele realmente precisava era nao tentar fugir da sua dor.

As próximas instruções eram simples: tentar perceber o que acontecia com seu corpo sem cair na armadilha do julgamento. Simplesmente perceber tudo o que se passava. Ao retornar para a sala de meditação ele logo percebeu que o comportamento da mulher ao seu lado nao havia mudado. E que sua crise de tosse continuava. Peter sentiu então os seus próprios músculos se contraírem e sua respiração travar. Contudo, seguindo o que havia sido lhe indicado, ele continuou a perceber mais profundamente seu próprio corpo. A cada tossida ele percebe todo o seu corpo se contrair e uma grande raiva vir a tona - que se desfazia logo em seguida durante uma pequena pausa silenciosa. No fim da sessão ele se levanta para ir ao refeitório e percebe que a mesma mulher esperava na fila em sua frente. Ele então se da conta que o simples fato de ve-la trazia a tona toda a tensão. Novamente, ele percebe o que esta acontecendo. Respira. E consegue se descontrair. Depois, ao procurar se informar que horas seria o encontro com o instrutor de meditação para um feedback  ele percebe que o nome da mulher estava logo abaixo do seu na lista. Mais uma vez o seu corpo reage de forma negativa e sua respiração trava. Entretanto, como ele continuava a praticar essa atenção sugerida ele se desarma e percebe enfim que o seu corpo havia se transformado numa especie de espelho e que ele lhe mostrava ao mesmo tempo o veneno e o remédio de seu problema: reconhecer que a tensão se formava e perceber a possibilidade de desativa-la.

Nos dias seguintes a atenção de Peter se tornara cada ver mais acurada. Ele percebe que seus pensamentos cheios de dor e raiva - relacionados a sua própria família e a sua realidade profissional - suscitavam a mesma tensão, o mesmo travamento, que lhe causava o comportamento daquela mulher que tossia ao seu lado na sala de meditação  Durante toda a sua vida ele tentou controlar tudo o que havia em sua volta e agora que a vida lhe mostrava quem realmente dava as cartas nesse jogo, toda uma sequência de frustração dor e cólera vinham a tona. Mas, felizmente, a cada movimento, a cada imagem mental, ele percebia o que realmente se passava - sem julgamento. Ele começa então a notar como que esse simples estado mental poderia lhe ser útil  No fim do retiro ele constatou que estava profundamente agradecido aquela mulher.

Graças a atenção, Peter conseguiu enfim relaxar seu corpo e sua mente. Ele descobriu, enfim, o que no zen é chamado de mente de principiante. «Prestamos atenção munidos de respeito e interesse, nao para poder manipular a realidade, mas para compreender o que é real. E percebendo essa verdade o coração se torna livre!»*

*Shunryu Suzuki

The Wise Heart - Jack Kornfield