Delírios religiosos
Qual é a freqüência de delírios
religiosos entre portadores de transtornos psicóticos? As taxas de
prevalência dependem do transtorno psicótico respectivo e do local no
mundo onde vivem essas pessoas. Em áreas menos religiosas do mundo,
um estudo mostrou, por exemplo, que só 7% de 324 pacientes japoneses
internados tiveram delírios de perseguição e religiosos de culpa
(Tateyama et al., 1998). Esta taxa é semelhante à de um estudo
de âmbito nacional de pacientes hospitalizados com esquizofrenia no
Japão que envolveu 429 pacientes cuja prevalência de delírios
religiosos foi de 11% (Kitamura et al., 1998).
Nos
Estados Unidos, vários estudos examinaram delírios religiosos em
pacientes com esquizofrenia ou transtornos bipolar. O primeiro desses
resultados oriundo de um estudo pequeno de 41 pacientes psicóticos
em Nova York verificou que 39% dos pacientes com esquizofrenia e 22%
daqueles com mania tinham delírios religiosos (Cothran e Harvey,
1986). Um estudo muito maior de 1.136 pacientes psiquiátricos
internados nos Estados Unidos (do meio-oeste e do leste) destacou que
25% dos pacientes com esquizofrenia e 15% dos portadores de
transtorno bipolar tinham delírios religiosos (Appelbaum et al.,
1999). Comparados a outros delírios, delírios religiosos parecem ser
aceitos com maior convicção que outros delírios. Finalmente, Getz et al.
(2001) compararam a freqüência de delírios religiosos entre as
denominações religiosas em 133 pacientes internados (74% de
esquizofrenia) no Centro Médico da Universidade de Cincinnati. Foram
documentados delírios religiosos em 24% dos 33 pacientes
não-religiosos, 43% de 71 pacientes protestantes e 21% de 29
pacientes católicos.
Na
Europa e Grã-Bretanha, um estudo com 251 pacientes internados com
esquizofrenia na Áustria e Alemanha verificou taxa de prevalência de
21% para delírios religiosos (Tateyama et al., 1998). Um dos
estudos mais detalhados até o momento na Grã-Bretanha detectou que
24% de 193 pacientes com esquizofrenia tinham delírios religiosos
(Siddle et al., 2002a). Os pacientes com delírios religiosos
tinham mais alucinações graves e delírios bizarros, maior nível de
incapacitação, duração mais longa da doença e estavam tomando mais
medicamentos antipsicóticos que outros pacientes. Assim, em estudos
de pacientes com esquizofrenia, delírios religiosos estão presentes
em 7% a 11% de pacientes japoneses, 21% a 24% de pacientes europeus
ocidentais e 21% a 43% de pacientes nos Estados Unidos.
Poucos
estudos têm examinado delírios religiosos entre pacientes
psiquiátricos no Brasil. Mucci e Dalgalarrondo (2000) relataram uma
série de enucleações oculares em seis casos de pacientes
psiquiátricos, cinco unilaterais e uma bilateral. Delírios religiosos
foram um fator significativo em muitos desses casos, com pacientes
agindo como nos diz Mateus (5:29): "Se o teu olho direito te
escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti, pois te é melhor
que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado
no inferno". Esses pacientes tiveram freqüentemente exacerbação
aguda de esquizofrenia, e a enucleação auto-infligida ocorreu muitos
anos após o início da doença. Esses seis casos foram vistos ao longo
do período de 10 anos em um hospital universitário brasileiro.
No
único estudo sistemático de pacientes psiquiátricos no Brasil, os
pesquisadores examinaram 200 admissões consecutivas a um hospital
psiquiátrico geral (Dantas et al., 1999). Para identificar o
conteúdo religioso, um item foi acrescentado à forma expandida da
BPRS. Foram incluídos os pacientes com diagnóstico psiquiátrico, não
apenas aqueles com transtornos psiquiátricos. Os pesquisadores
informam que 15,7% de todos os pacientes tiveram de moderados a
intensos sintomas de conteúdo religioso. Uma correlação forte foi
achada entre sintomas maníacos e experiências religiosas.
Qual é a origem dos delírios religiosos? Delírios religiosos existem em um continuum entre
as crenças normais de indivíduos saudáveis e as crenças fantásticas
de pacientes psicóticos. Em pacientes psicóticos, delírios
religiosos são habitualmente acompanhados por outros sintomas e/ou
comportamentos de doença mental, e não parecem ter nenhuma função
positiva (Siddle et al., 2002a). Sabe-se que pessoas com sintomas
psicóticos têm maior ativação do hemisfério direito do cérebro, o
que também se verifica em pessoas saudáveis que tenham experiências
místicas ou crenças paranormais (Lohr e Caligiuri, 1997; Pizzagalli et al.,
2000; Makarec e Persinger, 1985). Contudo, a tentativa de localizar a
origem dos delírios religiosos no cérebro não tem revelado
resultados consistentes com os achados de neuroimagem descritos
anteriormente. O único estudo realizado até o momento sugeriu que
delírios religiosos sejam o resultado de uma combinação de
hiperatividade do lobo temporal esquerdo e hipoatividade do lobo
occipital esquerdo (Puri et al., 2001). Assim, até que mais pesquisas sejam realizadas, a origem neuroanatômica dos delírios permanece incerta.
http://www.scielo.br/scielo.php?lng=en
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