A Roda
Co-surgimento interdependente (Pratityasamutpada)
No terceiro dia apos a sua iluminaçao, o Buda, desenvolveu o conjunto de mecanismos de interaçao que regem os fenômenos. Os doze elos do co-surgimento interdependente (sânsc. pratitya samutpada, literalmente "em dependência, coisas surgem"); o fundamento de todo o estudo e prática budistas.
Mas diferente de fenômenos independentes que reagem entre si de maneira autônoma ou da noção ocidental de um mundo de fenômenos que reagem a uma terceira lei de Newton mergulhados num mar de acaso.
Inicialmente, o Buda descreveu os doze elos apartir da velhice e morte para nos ajudar a tocar o sofrimento e a encontrar suas raízes. Isto está intimamente ligado aos ensinamentos e prática das quatro nobres verdades. Foi posteriormente que os ensinamentos começaram com a ignorância, para justificar o “porque” do nascimento e da morte. A ignorância tornou-se um tipo de causa primeira, mesmo apesar de o Buda sempre ensinar que nenhuma causa primeira pode ser encontrada.
Desenvolvimento historico
Em sua origem, segundo o sutta nipata, eram oito condições que se agrupam a todo instante para a produçao de dukka. Em seguida, desenvolveu-se o Nidana Samyutta e o Mahanidanasutta pali, que no Abhidharma, transformou-se no classico modelo de doze elos responsaveis pela corrente de causas e efeito.
Nessa corrente incessante de fenômenos, que por sua vez desencadeiam outros fenômenos, não encontamos uma figura divina original mas sim o resultado que se desenvolve a partir de determinadas causas.
Teremos entao, os fenomenos interiores e exteriores (a guisa de estudo):
A) Os exteriores, como os brotos que nascem de uma semente em função das causas inerentes da mesma que possibilitam a manifestação em função das condições que envolvem o fenômeno;
B) E os interiores (presente nos seres dotados de consciência) que são dependentes de uma co-produção condicionada; ilustrada na forma de uma corrente de doze elos – ou doze nidanas. Os fenômeos, então, não seriam produzidos por algum tipo de condição divina - mas se desenvolveriam a partir de uma ordem precisa de condições especificas (a velhice e a morte relaciona-se ao nascimento, ao nascimento relaciona-se... ) onde cada um desses fatores é condicionado pelos precedentes e pelos fatores que os seguem e nenhum entre eles é absoluto ou indepentente, assim como não existe uma causa primeira, ou divina de sua manifestação.
Podemos então dizer que todos os fenômenos são: impermanentes, ininterruptos, não se transformam, uma simples causa pode desencadear um grande resultado, e de uma causa e de seu resultado produz-se uma mesma linha de resultados (uma semente de arroz produzira arroz e não lentilhas – segundo o classico exemplo).
Os doze nidanas.
Encontramos nos seres um encadeiamento de causas e efeitos que descrevem as condições do passado, do presente e do futuro. Contudo, normalmente pensamos em causa e efeito como entidades separadas, com a causa sempre precedendo o efeito, e com uma causa conduzindo a um efeito. Mas de acordo com o ensinamento do co-surgimento interdependente, causa e efeito co-surgem (sânsc. samutpada) e tudo é um resultado de múltiplas causas e condições:
A ignorancia (avidya)
Vidya significa visão, entendimento, ou luz. Avidya significa a falta de luz, a falta de entendimento, ou cegueira. Apesar de a ignorância ser geralmente listada como o primeiro elo, não significa que a ignorância é a primeira causa. Também é possível começar a lista com a velhice e morte. Na roda da vida encontramos a ilustraçao de uma velha cega que caminha tateando o solo à sua fente, que é a base de toda causalidade carmica. Mas... ignorancia de que? Das quatro verdades de base. E sobre os seus véus nao percebemos as aparencias pelo o que elas sao e imaginamos um “eu” separado dos fenomenos. E a ignorancia pode ser classificada como base pois o desenrolar da produçao dependente deriva-se da ignorancia da verdadeira natureza de todos os fenomenos; pois como explica Sakyong Mipham, no seu livro Régnez sur votre monde, “Como as emoçoes negativas tem como base a ignorancia as vezes fica dificil de perceber quando estamos sob sua influencia. Para ter uma visao clara desse processo é necessario o desenvolvimento de prajna, a sabedoria, que pode ser cultivada pela pratica da meditaçao”.
Ação volicional (sânsc. samskara),
Que é ilustrado como um artesao fazendo um vaso de argila. Os resulados dos atos entrelaçados do tres tempos – presente, passado e futuro, que nos fazem agir frente a uma determinada situaçao de uma maneira favoravel, neutra ou desfavoravel;
A consciência ou mente (sânsc. vijnana)
Que é ilustrada como um macaco que pula de galho em galho. E a tomada de consciencia do mundo fenomenal em funçao dos residuos carmicos – o que “liga” as sucessivas existencias;
Nome e forma (sânsc. nama-rupa).
Que é ilustrada como uma barca e seus passageiros (o corpo composto de seus agregados que formam a ilusao do “eu”, ou skandas) ). "Nome" (sânsc. nama) significa o elemento mental e "forma" (sânsc. rupa) significa o elemento físico de nosso ser. Tanto a mente quanto o corpo são objetos de nossa consciência;
As seis fontes dos sentidos (os seis ayatanas)
Que é ilustrada na roda da vida como uma casa vazia com seis janelas (visao, paladar, olfato...). Estes seis ayatanas não existem separadamente da mente/corpo (o quarto elo). Quando um órgão do sentido entre em contato (o sexto elo) com um objeto do sentido, deve haver uma consciência do sentido (que está dentro do terceiro elo). Estamos começando a ver como os doze elos interrelacionam-se; como cada elo contém todos os outros elos.
O contato (sânsc. sparsha)
Ilustado pelo casal abraçado e que simboliza o objeto do sentido quando encontra o sentido, isto é, o eco (a reuniao de uma flor e a capacidade de percebe-la), ou seja, o contato entre o órgão do sentido, o objeto do sentido e a consciência do sentido.
A sensaçao ou sentimentos (sânsc. vedana),
Ilustrada pelo desenho de um homem com uma flecha no olho, ou seja, a experiencia em si do agradavel, do desagradavel e do indiferente a partir dos cinco sentidos. Quando um sentimento é agradável, podemos nos tornar apegados (o nono elo).
O desejo (sânsc. trishna)
E o desencadeamento da sensaçao, mais precisamente, a constataçao de que a experiencia da sensaçao ao invés de abrandar a sede, na verdade à instiga e nos faz querer repetir continuamente o processo. Talvez possamos fazer uma ponte com a noçao do Das Ding freudiano, a noçao do vazio existencial fundamental que no deccorrer da vida o individuo tenta preencher com sexo, dinheiro, fama, poder.... Ansiamos o que consideramos agradavel e agimos com aversao ao que consideramos desagradavel.
Esse é o elo fragil dessa corrente; que pode ser quebrada a partir da mesma pela pratica da meditaçao ao reconhecer a real fonte de desejo. E desejo é seguido pelo... apego.
A dependencia ou apego (sânsc. upadana).
Que no desenho da roda é um macaco apanhando uma fruta; o querer para si o objeto agradavel é o que nos leva a continuar girando;
A existencia ou o vir a ser (sânsc. bhava),
O desenho da mulher gravida. O apego a existencia que desencadeia uma nova existencia;
O nascimento (sânsc. jati).
O desenho de uma mulher dando a luz. Uma nova situaçao de vida em funçao de condiçoes acumuladas anteriormente;
A velhice e a morte (sânsc. jaramarana)
O desenho de um homem carregando um cadaver num cemitério. Que representa a dissoluçao de tudo que é impermanente.
Segundo Thich Nhat Hanh em The heart of the Buddha's teaching, não precisa haver exatamente doze elos. Pois nos textos do Abhidharma da escola Sarvastivada, encontramos um, dois, três, quatro ou cinco, até doze elos. Um elo pertence ao reino incondicionado (sânsc. asamskrita). Dois elos são causa e efeito. Três elos são passado, presente e futuro. Quatro elos são ignorância, ações volicionais, nascimento, e velhice e morte. Cinco elos são desejo, apego, vir a ser, nascimento e velhice e morte. Seis elos são causa passada, causa presente, causa futura, resultado passado, resultado presente e resultado futuro.
Poderiamos entao para finalizar fazer o classico exercicio contemplativo:
1. Porque envelhecemos e morremos? Porque nascemos. E tudo aquilo que é composto deve um dia se decompor.
2. Porque nascemos? Em funçao da nossa roda carmica.
3. O que faz girar a nossa roda carmica? A necessidade de querer agarra e satirfazer os desejos e a uma nao compreençao real dos mesmos.
4. De onde vem essa necessidade de agarrar e satisfazer? Da ilusao de um “eu” que necessita possuir o mundo que o cerca para dar sentido a sua existencia.
5. De onde vem essa necessidade, esse desejo? Ela desencadeia-se pelo enconto do sentido com o objeto do sentido e a percepçao do mesmo fenomeno enquanto um dado real, agradavel, desagradavel ou neutro.
6. De onde vem esse encontro, essa sensaçao? Da conclusao erronea de que esse contato por ser capturado.
7. De onde vem esse contato? A partir dos sentidos sensoriais.
8. De onde vem os sentidos sensoriais? Dos cinco agregados (Skandas) que constituem um nome e uma forma.
9. De onde vem esse nome e essa forma? De uma nova consciencia novamente mergulhada na roda da existencia.
10. De onde vem essa consciencia? De condicionamentos carmicos ou traços carmicos.
11. De onde vem esses condicionametos carmicos? Da ignorancia de nossa verdadeira natureza e da confusao que isso gera, nos fazendo agir a partir de um “gosto, nao gosto, me é indiferente”.
Bibliografia:
Encyclopédique du Bouddhisme – Phlippe Cornu, Ed Seuil
The Heart of the Buddha's Teaching - Thich Nhat Hanh, Broadway Books
Régnez sur votre monde – Sakyong Mipham, La Table Ronde
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