Encontro com o meu mestre espiritual
Na ocasião da publicação do livro escrito com o astrofisico, Trinh Xuan Thuan, L’Infini dans la paume de la main, durante uma apresentação sua na conferência DU BIG BANG A L’EVEIL, organizado em 13 de Maio de 2000 pela Universidade Interdisciplinar de Paris, Matthieu Ricard narra como tornou-se monge budista.
Por Matthieu Ricard (http://www.shechen.org/french/)
"Posso dizer que nasci realmente no dia 2 de Junho de 1967, aos vinte anos; quando então cheguei, um jovem estudante que falava pouco de inglês, aos pés dos Himalayas, e quando encontrei pela primeira vez um mestre notável, Kangyour Rinpoche, que iria então ser um ponto de referencia para o resto da minha existência.
Mas por que se deu em mim essa grande mudança nada comparada com tudo o que eu ja havia vivido em toda a minha vida?
Pela primeira vez, encontrei-me frente a alguém que, sob todos os aspectos, parecia estar em harmonia consigo mesmo e com tudo o mais que o cercava. Um vivo exemplo do que pode ser um verdadeiro caminho espiritual - mas sem ostentar nada. Era simplesmente uma presença profunda, forte e tranquila; e uma bondade cuja profundidade residia, talvez, no fato de que ela era quase impossível de se analizar. Mas ao mesmo tempo qualquer coisa que se podia descobrir a respeito desse momento era algo que iria servir de alimento para sempre.
Era alguma coisa que eu nunca havia encontrado no Ocidente, talvez devido às circunstâncias da minha vida. Não que essa sabedoria não possa existir no ocidente. Mas os giros da roda da vida me fizeram encontrar essa Sabedoria, pela primeira vez, junto de mestres tibetanos - que haviam fugido da invasão comunista chinesa.
Eu tive a grande chance, na minha juventude, de encontrar todos os tipos de pessoas dotadas das mais variadas qualidades: intelectuais, cientistas, artistas, etc. Graça ao meu tio, conheci muitos exploradores, essas pessoas que deixavam um pequeno bilhete na porta do seu apartamento em Paris: "Parti à pé para Tombouctou…"
Através de minha mãe tive acesso a artistas, pintores - tive acesso a Arte; através de meu pai: escritores, filósofos e políticos; através dos meus proprios estudos e pela minha carreira científica, à grandes cientistas como François Jacob ou Jacques Monod, e todos aqueles que vinham ao Instituto Pasteur. Bem frequentemente, da mesma maneira, tive a boa estrela de ter encontrado almas gemeas musicais com as quais pude compartilhar os meus interesses e o meu gosto pela música. Tive a grande honra de almoçar com Stravinsky aos 17 anos e foi um momento maravilhoso estar em sua presença.
Retrospectivamente falando, eu desejava nessa época ser um grande musico ou um grande poeta. Mas nunca desejei ser como estas pessoas, nunca desejei estar inteiramente com elas, ou dizer: "Se eu pudesse escolher, é com essa pessoa que eu iria querer estar até o fim da minha existência." E esse foi o sentimento que tive ao conhecer os meus mestres espirituais tibetanos - que me tanto inspiraram quando os encontrei. E pude amadurecer essa experiencia ao longo dos anos que tive a possibilidade de passar com eles nos Himalayas.
Para mim não houve uma ruptura. Não foi uma porta que se fechou e outra que se abriu ou um novo rumo que eu tomei, era apenas a continuação de uma procura; das ciências naturais, desenbocando nas ciências do esprito - nas ciências contemplativas. Não tendo de criar uma família, e ter responsabilidade cotidiana na sociedade, a minha vida foi uma linha direita, desde a infância até agora."
No livro O Monge e o Filósofo: o Budismo Hoje, Matthieu Ricard nos conta nestes termos o seu primeiro encontro com mestres espirituais tibetanos:
"Tive a impressão de ver seres que eram exatamente aquilo que ensinavam... tinham uma presença tão notável! Não compreendia racionalmente o porque dessa impressão, mas o que mais me marcava, era que eles correspondiam às minhas imagens de homem ocidental criado numa cultura cristã: a imagem do santo - seres perfeitos; dos sábios, uma categoria especial de ser que, aparentemente, não se encontrava mais no Ocidente. Era tipo a imagem que eu faria de um São Francisco de Assis, ou dos grandes sábios da antiguidade. Uma imagem, que até então para mim, habitava apenas o meu imaginario: eu não podia encontrar Socrate, ouvir um discurso de Platão, me ajoelhar aos pés de São Francisco de Assis! E abruptamente, emergiam seres que pareciam ser o exemplo vivo da sabedoria. Eu pensava então: "Se é possível de alcançar a perfeição no plano humano, deve ser isso."
http://www.buddhaline.net
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