A Saúde Mental na Psicologia Budista Clássica
A Saúde Mental na Psicologia Budista Clássica
Os mais importantes fatores mentais insalubres são os afetivos. A agitação e a preocupação – componentes da ansiedade – são dois fatores essenciais dessa categoria. A avidez, a avareza e a inveja formam um conjunto caracterizado pelo forte apego a um objeto: a aversão é o pólo negativo do continuum do apego. A contração e o topor contribuem para os estados mentais insalubres com a inflexibilidade rígida e incapaz de adaptação e com a inação moribunda.
Esses fatores insalubres se opõem à um conjunto de quatro fatores sempre presentes nos estados saudáveis. O princípio essencial da saúde mental no Abhidhamma é a inibição dos fatores mentais insalubres pelos fatores saudáveis respectivos. Tal como ocorre numa dessensibilização sistemática – em que a tensão é superada pelo seu oposto biológico, o relaxamento. Os estados mentais saudáveis são antagonistas dos insalubres e os inibem. Nesse sistema, a presença de um dado fator saudável impede o surgimento de um fator insalubre específico, ou de um grupo de fatores, embora nem sempre numa base um-para-um. Os fatores saudáveis e insalubres da tabela abaixo estão em oposição geral e não em oposição específica. Explicações mais elaboradas podem ser encontradas em Guenther (1974) e Narada Thera (1956).
Fatores insalubres: delusão, visão falsa, ausência de vergonha, ausência de remorso, egoísmo, perplexidade.
Fatores saudáveis: discernimento, atenção, modéstia, discrição, confiança, retidão
b) afetivos
Fatores insalubres: agitação, avidez, aversão, inveja, avareza, preocupação, restrição, topor.
Fatores saudáveis: compostura, desapego, não-aversão, imparcialidade, vivacidade, flexibilidade, eficiência, proficiência.
Os fatores cognitivos geminados, a modéstia e a discrição, só se manifestam quando um estado mental saudável tem como objeto um ato malévolo; funcionam para inibir o cometimento desse ato e, assim, compõe-se diretamente a ausência de vergonha e de remorso. Esses fatores são sustentados pela retidão, um fator cognitivo mais geral de correção nos juízos. Um fator afetivo associado é a confiança, uma certeza baseada numa percepção ou num conhecimento corretos. O desapego, a não-aversão e a imparcialidade, opõem-se, em conjunto, ao agregado de fatores insalubres formados pela avidez, avareza, inveja e aversão, substituindo por uma serenidade com relação à todo objeto que possa vir a ser percebido. O fator da compostura reflete a tonalidade emocional, calma e tranquila que vem do apazigamento de fortes emoções cognitivas e ativas de apego. Um último grupo afetivo de fatores influencia a mente e o corpo: a vivacidade, a flexibilidade, a eficiência e a proficiência, que suplantam, juntas, a contração e o torpor, fornecendo atributos de maleabilidade, facilidade, adaptabilidade e habilidade a configuração da saúde mental. Esses fatores saudáveis nucleares, além de superarem os insalubres, compõem o fundamento de um conjunto de estados afetivos positivos que não podem se manifestar na presença de fatores insalubres. Esse conjunto inclui a equanimidade, a compaixão, a delicadeza amorosa e a alegria altruísta, isto é, uma alegria que surge quando a felicidade do outro chega à percepção.
Os fatores insalubres e saudáveis tendem a se manifestar em grupo, mas todo o estado mental que tenha um único fator insalubre é visto como totalmente insalubre. Na verdade, nesse sistema, a definição operacional de desordem mental é a presença de algum fator insalubre na economia psíquica da pessoa. Assim, a saúde mental é a ausência de fatores insalubres e a presença de fatores saudáveis nos estados mentais da pessoa. Por esse critério, é provável que sejamos todos “doentes”. Ainda assim, cada um de nós provavelmente experimenta, por períodos maiores ou menores, estados mentais totalmente “saudáveis”, à medida que momentos mentais entram e saem da nossa corrente de consciência. Mas há um número diminuto de pessoas que só experimentam estados mentais saudáveis, sendo precisamente esse o objetivo do desenvolvimento psicológico na Abhidhamma.
1) Ausência de: avidez, ansiedade, ressentimentos e temores de toda espécie; dogmatismos, como a crença de que isso ou aquilo constituem “a Verdade”; aversões e condições como a perda, a desgraça, a dor ou a culpa; sentimentos de luxúria ou de ódio; experiência de sofrimento; necessidade de aprovação; deleite com elogios; desejo para si de qualquer coisa além do necessário e essencial.
2) Prevalência de: imparcialidade com relação aos outros e equanimidade em todas as circunstâncias; atenção permanente e calmo deleite com a experiência, por mais ordinária ou mesmo entediante que seja; forte sentimento de compaixão e de gentileza amorosa; percepção rápida e precisa; compostura e habilidade de ação.
Embora possa parecer incrivelmente virtuoso da perspectiva ocidental, o arahat personifica características comuns à maioria das psicologias asiáticas: é o protótipo do santo. Na nossas psicologias contemporâneas, esse protótipo se destaca principalmente pela ausência. Uma transformação tão radical do ser ultrapassa em muito os objetivos e esperanças das nossas psicoterapias e, de fato, está além de virtualmente toda a teoria moderna da personalidade. Do ponto de vista da psicologia ocidental o arahat pareçe bom demais para existir; faltam-lhe muitas características que consideramos intrínsecas à natureza humana. Mesmo assim, o protótipo do santo é uma das principais bases das psicologias asiáticas, que vêm florescendo há dois ou três milênios.
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