dimanche 9 octobre 2011

O Desenvolvimento do Ego



P: Pode explicar algo mais sobre o que chamou de desmaio?

R: Não é nada particularmente profundo. Acontece apenas que, no nível do Primeiro Skandha, trabalhamos com muito afinco tentando solidificar o espaço. Trabalhamos tanto e com tanta pressa que a inteligência, de repente, sofre um colapso. Poderíamos dizer que isto é uma espécie de satori inverso, uma experiência inversa de iluminação, a experiência da ignorância. Entramos de repente num transe, em conseqüência de havermos trabalhado com tanto empenho. Toda essa solidez é alguma coisa que realmente realizamos, uma obra-prima. E, tendo-a realizado completamente, súbito nos vemos engolfados por ela. É uma meditação desse gênero, uma espécie de samadhi ao contrário.

P: Crê que as pessoas devem ter consciência da morte para estarem realmente vivas?

R: Não creio que tenhamos de estar particularmente conscientes da morte, no sentido de analisá-la, mas temos de ver o que somos. Tendemos, não raro, a procurar o lado positivo, a beleza da espiritualidade, e a ignorar-nos como somos. Esse é o maior perigo. Se estivermos empenhados na análise de nós mesmos, nossa prática espiritual estará tentando encontrar alguma conclusão final, uma derradeira auto-ilusão. A inteligência do ego é muito talentosa, ela
pode distorcer qualquer coisa. Se nos apegarmos às idéias de espiritualidade, ou de auto-analise, ou de transcendência do ego, este se apossa imediatamente delas e as traduz em auto-ilusão.

P: Quando o macaco começa a desvairar, é conseqüência de alguma coisa que conheceu antes? De onde provém a alucinação?

R: Ê uma espécie de instinto, um instinto secundário, o instinto simiesco que todos temos. Se houver dor, sonharemos com o prazer, para contrastar. Há o impulso inato de defender-nos, de estabelecermos o nosso território.

P: Providos apenas com o nível de consciência que temos agora, estaremos destinados a lutar e pelejar desesperançadamente nesse nível, a menos que possamos voltar ao espaço que o sr. descreveu?

R: É claro que teremos de lutar o tempo todo, não há fim para isso. Poderíamos continuar falando, para todo o sempre, sobre a sucessão de lutas que teremos de suportar. Não existe nenhuma outra resposta, a não ser, como você disse, tentar encontrar novamente o espaço primordial. Se assim não for, estaremos presos na atitude psicológica deste em oposição àquele, o que é um obstáculo. Estamos sempre combatendo um adversário. Não há um só momento que
deixemos de lutar. O problema é a dualidade, a guerra em termos de mim e meu adversário.
A prática da meditação é uma forma completamente diferente de trabalhar. Temos de modificar toda a nossa atitude e maneira de conduzir a vida. Temos de mudar toda a nossa política, por assim dizer. Isso pode ser muito doloroso. De repente, começamos a compreender: "Se eu não lutar, como lidarei com meus inimigos? Estará tudo bem para mim se eu não lutar, mas que dizer deles? Eles, ainda assim, continuarão lá." Esse é o ponto interessante.

P: Ver a parede, reconhecer que estamos ali e não seguirmos adiante — parece uma posição muito perigosa.

R: É precisamente esse o ponto: não é perigosa. Poderá ser dolorosa no momento em que compreendermos que a parede é sólida e que estamos presos por ela, mas é esse, justamente, o ponto interessante.

P: Mas o sr. não acabou de dizer que o desejo de voltar ao outro estado, o espaço aberto, é instintivo?

R: Afirmei sim, mas esse macaco não se deixará apenas ser outra vez. Ele luta continuamente, ou se envolve em alucinações. Nunca pára, nunca permite a si mesmo sentir realmente alguma coisa de maneira adequada. Aí é que está o problema. Eis por que o simples parar, o simples permitir uma lacuna, é o primeiro passo na prática da meditação.

P: Digamos que você tenha uma dificuldade, uma inibição, e está muito consciente dela. A inibição desapareceria pela simples razão de você ter consciência dela?

R: O fundamental é não tentar imaginar o modo pelo qual escaparemos do nosso dilema, mas, por ora, precisamos pensar em todas aquelas salas claustrofóbicas em que nos encontramos. Esse é o primeiro passo no aprendizado. Temos de nos identificar realmente conosco e sentir-nos de modo correto, o que nos proporcionará inspiração para estudos posteriores. Seria melhor não falar, ainda, em libertar-nos.

P: O sr. diria que essas salas claustrofóbicas eram construções intelectuais?

R: A intensidade da inteligência primordial nos provoca o tempo todo. Por conseguinte, todas essas atividades do macaco não devem ser consideradas como alguma coisa da qual devemos fugir, mas como um produto da inteligência primordial. Quanto mais tentarmos lutar, tanto mais descobriremos que as paredes são efetivamente sólidas. Quanto mais energia empregarmos na luta, tanto mais fortaleceremos as paredes, porque estas precisam da nossa atenção para
se solidificarem. Toda vez que dermos mais atenção às pareces, mais sentiremos a desesperança da fuga.

P: O que o macaco percebe quando olha pelas cinco janelas da casa?

R: Percebe o Leste, o Oeste, o Sul e o Norte.

P: Como lhe parecem?

R: Como um mundo quadrado.

P: E fora da casa?

R: Ele continua a ver o mundo quadrado, pela simples razão de vê-lo através de janelas.

P: Não vê nada à distância?

R: Poderia ver, mas é também uma imagem quadrada; é como pendurar um quadro na parede, não é?

P: O que acontece ao macaco quando toma um pouco de LSD ou de peiote?

R: Ele já o tomou.
ALÉM DO MATERIALISMO ESPIRITUAL
Chögyam Trungpa