mercredi 18 juin 2014

Seis coisas que aprendi com minha avó vanguardista


Minha avó é vanguardista. Dona Regina foi estilista da tropicália, teve uma galeria de arte e hoje em dia continua na ativa como marchande. Cresci frequentando sua casa, sempre com pessoas e assuntos legais. Tive a sorte de ter sido tratado como criança/adolescente e ao mesmo tempo receber boas doses de sabedoria vanguardista. Nunca escrevi um texto na internet, mas acho que alguns de meus aprendizados e minha vó merecem ser compartilhados. Então segue a listinha:
1. Cuidado com o que você cria.
Eu tinha 10 anos de idade e estava no carro imaginando com ela como seria o futuro. Falei que no futuro não existiram mais carros, que as pessoas entrariam em vagões e apenas selecionariam seu destino. Comecei a elaborar a idéia e adicionei que os vagões iriam identificar as pessoas e se você fosse um bandido, ou algo assim, o vagão não andaria e você seria preso. Minha vó detestou minha ideia, ficou brava e disse:
— Isso é fascismo, você não pode controlar as pessoas assim.
Depois ela pegou mais leve e disse que a ideia seria boa se não tivesse um sistema de identificação. Na hora foi difícil entender, mas foi um bom choque. Até hoje eu abomino qualquer uso de tecnologia para identificação ou controle de pessoas.
2. O estranho muda a estética do que é belo.
Estávamos assistindo televisão quando passou uma reportagem sobre o São Paulo Fashion Week. Olhei aquelas roupas e falei que tudo era entranho e feio. Ela discordou, disse que elas eram bem boas, ainda mais por serem estranhas. Depois explicou que só assim elas poderiam mudar a estética do que é belo. Hoje em dia é assim, bato o olho em qualquer desenho, se tenho um estranhamento, é porque é bom. 
3. A mensagem justifica os meios.
Muita gente não gosta da ideia do David Bowie tocar no Caldeirão do Huck, mas minha vó seria radicalmente a favor. Quando tivemos essa discussão adolescente ela usou argumentos matadores. Por mais que você não concorde ou não dê valor a um meio de comunicação, você não pode recusá-lo. A mídia de massa é algo muito valioso, aproveite esse tipo de oportunidade para alcançar pessoas, sejam elas quem forem. Se um dia eu for empresário do David Bowie e só a TV Gazeta quiser entrevistá-lo, usarei esses argumentos para convencê-lo a ir ao programa “Mulheres”.
4. Cada geração com sua questão.
Quem me deu esse toque foi um amigo da minha vó, mas toda a situação foi gerada em sua casa. Tínhamos assistido o filme “Aguirre, a Cólera de Deus” (um filme alemão muito doido) e comecei mais um discurso adolescente de que, em minha geração, não existiam mais atores radicais como o protagonista Klaus Kisnki. O amigo da minha avó apontou para um quadrinho do Leonilson, que tem uma vela bordada com um “sim” em uma ponta e um “não” na outra, e disse: -Não existe mais um muro de Berlin assim como existia para Kiski. Agora o “Sim” e o “Não” participam da mesma idéia. Para mim isso foi um divisor de águas, nunca mais senti culpa de não ser radical, de não ter um posicionamento político claro e das minhas opiniões serem uma mistura de diversas coisas. Praticamente saí da adolescência.
5. Jantar chique é com comida e música brasileira.
Isso eu aprendi frequentando, se você for receber amigos em casa e quiser fazer algo bem charmoso, não faça quiche, não faça macarrão, não faça nada que veio da França. Bom mesmo é cuscuz paulista, canjiquinha com costelinha, moqueca de peixe, ou até mesmo um simples lombo com arroz e feijão. Tudo isso tem que ser acompanhado com música brasileira. O segredo da minha vó está em explorar o que a gente tem de melhor. Dessa maneira o jantar fica charmoso até para o embaixador da Suíça.
6. É preciso desobedecer.
Minha vó pratica a desobediência frequentemente, de diferente maneiras e modalidades. Diz a lenda que ela é assim desde pequena. Se você reparar, tudo o que eu falei até agora tem a ver com isso. Minha personalidade é bem diferente, eu sou certinho e medroso, mas posso dizer que depois de tantos anos sendo cúmplice da minha vó, eu aceito e me sinto apto a desobedecer. Posso dizer também que graças a minha vó posso caminhar para frente, aceitar o novo e evitar tropeços em atrasos.
Manoel Brasil Orlandi