jeudi 19 avril 2012

Delírios religiosos


Qual é a freqüência de delírios religiosos entre portadores de transtornos psicóticos? As taxas de prevalência dependem do transtorno psicótico respectivo e do local no mundo onde vivem essas pessoas. Em áreas menos religiosas do mundo, um estudo mostrou, por exemplo, que só 7% de 324 pacientes japoneses internados tiveram delírios de perseguição e religiosos de culpa (Tateyama et al., 1998). Esta taxa é semelhante à de um estudo de âmbito nacional de pacientes hospitalizados com esquizofrenia no Japão que envolveu 429 pacientes cuja prevalência de delírios religiosos foi de 11% (Kitamura et al., 1998).
Nos Estados Unidos, vários estudos examinaram delírios religiosos em pacientes com esquizofrenia ou transtornos bipolar. O primeiro desses resultados oriundo de um estudo pequeno de 41 pacientes psicóticos em Nova York verificou que 39% dos pacientes com esquizofrenia e 22% daqueles com mania tinham delírios religiosos (Cothran e Harvey, 1986). Um estudo muito maior de 1.136 pacientes psiquiátricos internados nos Estados Unidos (do meio-oeste e do leste) destacou que 25% dos pacientes com esquizofrenia e 15% dos portadores de transtorno bipolar tinham delírios religiosos (Appelbaum et al., 1999). Comparados a outros delírios, delírios religiosos parecem ser aceitos com maior convicção que outros delírios. Finalmente, Getz et al. (2001) compararam a freqüência de delírios religiosos entre as denominações religiosas em 133 pacientes internados (74% de esquizofrenia) no Centro Médico da Universidade de Cincinnati. Foram documentados delírios religiosos em 24% dos 33 pacientes não-religiosos, 43% de 71 pacientes protestantes e 21% de 29 pacientes católicos.
Na Europa e Grã-Bretanha, um estudo com 251 pacientes internados com esquizofrenia na Áustria e Alemanha verificou taxa de prevalência de 21% para delírios religiosos (Tateyama et al., 1998). Um dos estudos mais detalhados até o momento na Grã-Bretanha detectou que 24% de 193 pacientes com esquizofrenia tinham delírios religiosos (Siddle et al., 2002a). Os pacientes com delírios religiosos tinham mais alucinações graves e delírios bizarros, maior nível de incapacitação, duração mais longa da doença e estavam tomando mais medicamentos antipsicóticos que outros pacientes. Assim, em estudos de pacientes com esquizofrenia, delírios religiosos estão presentes em 7% a 11% de pacientes japoneses, 21% a 24% de pacientes europeus ocidentais e 21% a 43% de pacientes nos Estados Unidos.
Poucos estudos têm examinado delírios religiosos entre pacientes psiquiátricos no Brasil. Mucci e Dalgalarrondo (2000) relataram uma série de enucleações oculares em seis casos de pacientes psiquiátricos, cinco unilaterais e uma bilateral. Delírios religiosos foram um fator significativo em muitos desses casos, com pacientes agindo como nos diz Mateus (5:29): "Se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti, pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno". Esses pacientes tiveram freqüentemente exacerbação aguda de esquizofrenia, e a enucleação auto-infligida ocorreu muitos anos após o início da doença. Esses seis casos foram vistos ao longo do período de 10 anos em um hospital universitário brasileiro.
No único estudo sistemático de pacientes psiquiá­tricos no Brasil, os pesquisadores examinaram 200 admissões consecutivas a um hospital psiquiátrico geral (Dantas et al., 1999). Para identificar o conteúdo religioso, um item foi acrescentado à forma expandida da BPRS. Foram incluídos os pacientes com diagnóstico psiquiátrico, não apenas aqueles com transtornos psiquiá­tricos. Os pesquisadores informam que 15,7% de todos os pacientes tiveram de moderados a intensos sintomas de conteúdo religioso. Uma correlação forte foi achada entre sintomas maníacos e experiências religiosas.
Qual é a origem dos delírios religiosos? Delírios religiosos existem em um continuum entre as crenças normais de indivíduos saudáveis e as crenças fantásticas de pacientes psicóticos. Em pacientes psicóticos, delírios religiosos são habitualmente acompanhados por outros sintomas e/ou comportamentos de doença mental, e não parecem ter nenhuma função positiva (Siddle et al., 2002a). Sabe-se que pessoas com sintomas psicóticos têm maior ativação do hemisfério direito do cérebro, o que também se verifica em pessoas saudáveis que tenham experiências místicas ou crenças paranormais (Lohr e Caligiuri, 1997; Pizzagalli et al., 2000; Makarec e Persinger, 1985). Contudo, a tentativa de localizar a origem dos delírios religiosos no cérebro não tem revelado resultados consistentes com os achados de neuroimagem descritos anteriormente. O único estudo realizado até o momento sugeriu que delírios religiosos sejam o resultado de uma combinação de hiperatividade do lobo temporal esquerdo e hipoatividade do lobo occipital esquerdo (Puri et al., 2001). Assim, até que mais pesquisas sejam realizadas, a origem neuroanatômica dos delírios permanece incerta. 

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